Praia Verde, 6 de julho de 2040

Há uns sessenta anos, aceitei o convite para fazer formação inicial de professores, na convicção de que também aprenderia com a experiência universitária. Mantive o meu trabalho na Ponte e disponibilizei um tempo para criar oportunidades de transformação das pessoas e de formação de futuros professores. Porque é sabido que, onde não existe uma pessoa, não se pode implantar um professor.

Foi desagradável a surpresa. No primeiro dia, entregaram-me uns papéis encimados pela expressão “registros de presença”. Perguntei o que era aquilo. Disseram-me que deveria “passar pelos alunos” aqueles registros “no início e no final de cada aula, para controle de presenças”. Respondi que não utilizaria os registros, porque contradiziam o teor do projeto da instituição. Nele estava escrito que se pretendia “formar professores autônomos e responsáveis” Como se poderia atingir esse objetivo impondo instrumentos de controle?

Recusei “dar aula”, porque, já há vinte anos, havia deixado de as “dar”. E uma boa surpresa sucedeu à má surpesa inicial: havia alunos, que faltavam às “aulas” controladas por registros de presença, para participar nos meus encontros de aprender a ser professor. Isso me valeu destrutvas críticas, provindas de professáurios. Ameaçavam os alunos de os reprovar por faltas. E diziam que o meu trabalho “era uma porcaria”.

Pedi aos alunos que convidassem esses professáurios para um debate franco, através do qual provassem que “dar aula” estava certo e que o meu modo de fazer aprender estava errado. Nunca aceitaram o meu fraterno convite.

Quando propus desenvolver uma avaliação formativa, contínua e sistemática, com recurso a um portfólio, fui surpreendido por um fenômeno, que considerava erradicado. Os meus alunos do curso de Pedagogia entregavam-me “trabalhos de pesquisa” enfeitados com citações do tipo: segundo fulano, conforme Piaget, Vygotsky disse, beltrano disse… Devolvia os textos, dizendo que aqueles “trabalhos acadêmicos” não eram pesquisas,  eram cópias. E que eu não era fofoqueiro, não me interessava saber aquilo que alguém disse, mas verificar a aquisição de saberes, a produção de conhecimento.

Chegada a era da Internet, reinterpretei o fenômeno. Deparei com o copy past digital, que não dotava os professores de um saber-fazer fecundante de práxis coerentes, nem os habilitava a argumentar num espaço de debate transformado em terra de ninguém – o debate sobre educação. Foi dura a surpresa, mas também esclarecedora. Acabava de compreender por que razão os professores só sabiam replicar aulas.

A formação é isomórfica. O modo como o professor aprende será o modo como o professor ensinará. Se tinham sido formatados na prática da aula, reproduziam essa prática. Os professores da formação inicial amiúde Citavam Donald Schön e o amigo Nóvoa: O professor é um profissional intelectual, reflexivo, crítico das suas práticas. Mas… cadê esse profissional?

Há cinquenta anos, era comum escutar a anedota do “cachorro que falava”.

No decurso de uma palestra, o palestrante afirmara, que, numa aula, era possível ensinar. E que, na sua sala de aula, ele até tinha ensinado um cachorro a falar.

Foi-lhe pedido que, na palestra seguinte, levasse consigo o cachorro-fenômeno. Ele assim fez. E pediram-lhe que pusesse o animal a falar.

Cachorro, fala! – ordenou o palestrante.

O cachorro não falou.

Reagindo aos apupos da plateia, o palestrante auleiro exclamou:

Eu disse que o ensinei. Ele é que não aprendeu!

Por: José Pacheco