Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (CLIV)

Alcoutim, 9 de julho de 2040

O vosso avô tinha quatro anos de idade, quando, neste dia do mês de julho, Einstein e Russel, entre outros eminentes cientistas, publicaram um manifesto. Nele se lia:

Estamos falando nesta ocasião, não como membros desta ou daquela nação, continente ou credo, mas como seres humanos, membros da espécie Homem, cuja existência contínua está em dúvida. Temos que aprender a pensar de uma nova maneira. Temos que aprender a nos perguntar…

Quando se comemorava os sessenta e cinco anos desse manifesto, outro se esboçava a muitas mãos. O Terceiro Manifesto pela Educação era revisto e lançado em práticas de erradicação do instrucionismo, enquanto teóricos apresentavam fundamentos dessas práticas, como fez o amigo Celso na sua “Crítica Epistemológica ao Instrucionismo”:

Epistemologicamente, o “Querer” implica eleição do objeto. Para conhecer, o sujeito precisa estabelecer um vínculo cognitivo com o objeto a ser conhecido, colocar a atenção sobre ele. Desta forma, passará a estabelecer uma relação com o objeto, que já não será mais de indiferença, de mera coexistência ou de justaposição. A atividade de conhecimento é voluntária, implica a atenção deliberada.

O amigo Celso referia-se a um dos princípios gerais da aprendizagem propostos por Brunner e Vygotsky. Para acontecer produção de conhecimento, a aprendizagem teria de ser significativa, integradora, diversificada, ativa e socializadora. Hoje, sabemos que nenhuma dessas condições poderia ser assegurada em sala de aula. Escutemos o amigo Celso:

(…) é enorme a passividade dos alunos. A ação, quando ocorre, é mecãnica, repetitiva. Para um observador externo, parece que os alunos estão sempre em atividade, pois estão ouvindo o professor, ou fazendo exercícios. Ledo engano. Ouvem (ou fingem ouvir), todavia não entendem, pois não há comunicação, mas extensão (Freire). Nos exercícios, buscam os “macetes”, sendo que, no caso da Matemática, os próprios professores participam da grande mentira, na medida em que, por exemplo, respondem, quando os alunos perguntam, se é “de mais ou de menos”… Ora, o que poderia existir de Matemática ali no exercício era justamente isto, qual seja, identificar qual o movimento das quantidades (crescente ou descrescente)! O resto é algorítmo, que até uma máquina faz!

Era cruel, mas fundamentada, esta desmontagem da escola da aula, secundada pelo amigo Pedro, quando se referia a um documento espúrio, que dava pelo nome de BNCC:

A BNCC é apenas um repositório de conteúdos curriculares organizados conforme alguma lógica acadêmica e didática, não pode recriar a escola, por mais que isto solicite. Também não muda os professores, condição maior para termos “outra escola”. Os conteúdos codificados alfanumericamente (para que nenhum escape ao controle instrucionista), serão, provavelmente, transmitidos como sempre foram, porque é isto que o sistema, ao final, exige, não aprendizagem. E porque os professores foram “deformados” para este tipo de atividade instrucionista, na faculdade.

Os sábios subscritores do manifesto de 1955 contestavam a utilização de armas de destruição em massa. Em 2020, seria abusivo considerar, também, o instrucionismo como arma de destruição em massa? Ao longo de 200 anos, a escola da aula cometera o crime de abandono intelectual de milhões de alunos, um verdadeiro genocídio educacional. Mas, em julho de 2020, os desgovernos determinavam o “regresso às aulas”, o regresso a um passado genocida, disfarçado de… “ensino híbrido”.

Por: José Pacheco

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