Albufeira, 3 de julho de 2040

Queridos netos,

Confesso que gostaria de ter nascido nesta década, neste vosso tempo, mas já se aproxima a hora de partir para junto da Mãe Luiza e sinto urgência de vos falar de uma época de transição entre a velha e a nova escola.

Há quarenta anos, em personificações de pássaros, o vosso avô tentava evitar a morte da memória de tempos de infâmia. Falava de gaivotas inventoras de outros modos de viver e de voar, que contrariavam os porquenãos (já te falei neles). Em todas as escolas as havia, ainda que discretas, aferrolhadas numa sala – não fosse o diabo tecê-las e algum pássaro porquenim espreitasse e fosse contar pecadilhos a um porquenão. Ano após ano, estas clandestinas gaivotas reinventavam a aprendizagem, num equilíbrio precário, quase a soçobrar, pois os porquenãos mantinham-se obstinados no impedir do fazer necessário, ou insistindo num fazer absurdo, sem saber explicar por que o faziam. Era assim, porque era assim… e pronto!

Foi Agostinho da Silva quem disse que a escola dos anos vinte deste século era um lugar para onde menino era levado e onde o entregavam a um especializado em dar aula, que não sabia fazer mais nada. Nesse tempo, quem sabia fazer uma nova educação fazia-a. Quem não sabia fazer ensinava. E quem não sabia ensinar fazia formação de professores.

Ressalvadas as raras excepções, a formação inicial dos professores acontecia em cursos de pedagogia bolorenta. A formação continuada era assegurada por escolas (ditas) de “aperfeiçoamento dos profissionais da educação”. Na universidade como nos “centros de formação”, o curso era modalidade hegemônica. Por vezes, tomavam a designação de círculos de estudo, oficina, ou outra qualquer modalidade, mas continuavam sendo cursos, exercícios de instrucionismo fóssil.

Os cursos eram ministrados por “deformadores” encartados, que reproduziam o modelo educacional do século XIX, acrescentando-lhe ensinos híbridos e outros paliativos. Até que, há uns vinte anos, alguns formadores tomaram consciência da situação e assumiram um compromisso ético com a formação. Isomorficamente, o formando deixou de ser considerado objeto de capacitação, para ser sujeito de aprendizagem em auto-formação. A teoria não antecedia a prática, era a dificuldade de ensinagem que impelia o educador para a pesquisa, para a busca da teoria que, juntando à sua competência prática (de dar aula, para acabar com as aulas), produzia práxis inovadoras. Mas, deixemos estas lucubrações mais ou menos teóricas e voltemos às metáforas das cartinhas do tempo em que viestes ao mundo…

Nesse novo cenário, os porquenãos perderam espaço e se remeteram à sua insignificância. O amor, sempre presente no canto das almas sensíveis, começava a comover as almas empedernidas dos abutres, dos papagaios, dos porquenãos e borogóvios, e os viria a redimir do pecado da ignorância e da maldade. Uma doce paciência ajudou os pássaros doentes a não terem medo da luz diurna, a não fechar os olhos à claridade, a amar os “inimigos”. Ajudou-os a convencer os porquenãos da inutilidade da sua azáfama de pássaros rotineiros.

Como já referi, a rotineira aula havia sido banida, quer a presencial, quer a virtual. Em fraternos encontros, no chão de prédio de escola e na Internet, na coexistência e complementaridade do presencial e do virtual, todas as comunidades eram “alcançadas”. No seio dos “círculos de vizinhança”, a todos se garantia o direito de aprender. Pacientemente, as “gaivotas” da estória gestavam uma nova educação.

Por: José Pacheco