Americana, 21 de outubro de 2040

Há cem anos, Fernando de Azevedo avisava: “O que é bom para os Estados Unidos pode não ser bom para nós”, mas o Brasil nunca o escutou. Vindas do hemifério norte, modas pedagógicas eram injetadas nas escolas. Se o nortear (aquilo que vinha do “norte”) sempre tinha sido regra nas iniciativas de política educacional, em 2020, acontecia o desnorte total. Predominavam orientações (de “oriente”) de natureza neocolonial.

Seria necessário desnortear, desorientar, talvez mesmo… suliar. As palavras produzem e reproduzem cultura, mas ouso discordar parcialmente da crítica feita pelo Fernando, na grata surpresa de uma exceção. Nos Estados Unidos, eu havia encontrado uma empresa onde a criatividade e até mesmo a inovação acontecia: a Khan Academy. E, no Brasil, fui assisir ao lançamento de um livro da autoria do seu criador: Salman Khan. Nesse livro, Khan falava de uma educação reinventada e fazia as mesmas denúncias do Azevedo, do Lauro e de outros ilustres educadores brasileiros.

Nesse tempo, quando alguém me dizia que não havia “feito pedagogia”, eu respondia: “Graças a Deus!”. Quem passasse pelos bancos das faculdades de pedagogia teria muito mais dificuldades de reelaborar a sua cultura profissional do que o Khan. Por não ter “feito pedagogia”, esse analista financeiro dizia-nos que o velho sistema estava fracassando e precisava ser repensado, que a educação teria de mudar. Dou-vos a ler palavras de Salman Khan, inscritas na sua obra “Um mundo, uma escola”:

“A lição tradicional age contra os objetivos da educação pública (…) A aula acaba por se revelar um meio ineficiente de ensinar e aprender (…) A minha ideia de educação nunca foi a de que ela estaria completa com uma criança assistindo a vídeos no computador e resolvendo exercícios. Muito pelo contrário. Sempre sonhei em ser mais do que um recurso online. Sentíamos que estávamos em um ponto da história em que a educação podia ser repensada”.

Talvez afetados pelos vícios de que padeciam os seus “superiores”, ou por medo de perder o emprego, a maioria dos professores adotava “vídeo-aulas do Khan”, para exportar inúteis “atividades”, em aulas síncronas e assíncronas, perenizando as práticas que Salman Khan criticava. Aqueles que afirmavam tê-lo como referência apenas faziam cosmética pedagógica. “otimizando” o modelo prussiano de escola. Se alguns professores usavam vídeo para mehorar a sua prática, outros usavam os vídeos do Khan em inúteis aulas presenciais e online.

Secretarias de educação brasileiras injetaram doses maciças de tablets no quotidiano da escola, reforçando a prática da mesmice em versão digital. Há cerca de uns vinte anos, encontrei nos armários de uma escola centenas de tablets, que nunca tinham sido usados. Também encontrei os chamados “laboratórios de informática” convertidos em lixo digital.

Por que se insistiria no uso de plataformas digitais de ensinagem e em dotar cada aluno com um laptop? Para gerar monstrinhos adoradores de tela, na mera substituição do livro didático pelo computador?

Voltemos à leitura do livro do Khan. Ele nos convidava a acabar com a escola de sala de aula, da turma, da série, da prova… do instrucionismo. Porém, um sistema educacional nas mãos de uma administração burocratizada exercia seus podres poderes, impondo às escolas a utilização acrítica das tecnologias digitais de informação e comunicação. Na contramão do desperdício, havia quem preferisse ver o “copo meio cheio”. À margem do desperdício, se abria caminhos de utilização humanizadora das novas tecnologias.

 

Por: José Pacheco