Palmeira das Missões, 28 de outubro de 2040

No final de outubro do fatídico ano de 2020, assistíamos aos apelos da chanceler alemã. Ela pedia aos alemães que ficassem em casa, perante aumento dos casos de covid-19. O governo italiano encerrava teatros e cinemas e obrigava bares e restaurantes a fechar às seis da tarde. Um novo surto colocava a Bélgica no limite de capacidade dos cuidados intensivos. A Espanha preparava-se para declarar estado de emergência. Em Portugal, dezenas de escolas voltavam a fechar. Mas, o seu ministro da educação insistia num perigoso disparate:

“Tudo faremos para manter ensino nas escolas”.

Insistia em manter os jovens dentro dos prédios a que, nesse tempo, chamavam “escolas”. Relançava a ensinagem presencial até ao fim do ano letivo e a continuidade do inútil “EstudoEmCasa” televisionado. Justificando o injustificável, acrescentava que “as escolas preparavam formas de funcionamento, encarando a necessidade de encerramento parcial ou total”.

Já me habituara aos costumeiros disparates ministeriais. Aquilo que me surpreendia e desgostava era ver envolvido nessa farsa um secretário de estado, que se formara em ciências da educação. Num artigo de jornal, ele legitimava o ministerial procedimento:

“Há máscaras acessíveis. Dominamos melhor plataformas e técnicas de ensino. A cibersegurança é maior. E já sabemos que pode ser necessário fechar, como sabemos que, para muitos, a distância não funciona.”

Este secretário estudara sociologia, psicologia e história da educação,  epistemologia e currículo… sabia que a ensinagem “não funcionava”, nem presencialmente, nem à distância. Sabia que a crise não era, essencialmente, sanitária – era uma crise de natureza intelectual e moral.

Se me compreendiam atitudes ignorantes de políticos, eu não conseguia compreender o obsceno silêncio dos cientistas da educação. Esse insuportável silêncio contribuía para adiar urgentes mudanças. Tardava o dia em que o maléfico sistema de ensinagem viria a ser substituído por outro, de aprendizagem.

O sociólogo Giddens havia dito que, lamentavelmente, eram muitas as tensões que justificavam os “fundamentalistas que afirmavam: só há um modo de vida válido, e os demais têm de sair da frente”. Por essa altura, recebia mensagens, que, aqui, reproduzo. A Adriana, educadora de infância, perguntava:

“Pelo que o senhor falou nas lives, vi que estou dando aulas e poucos alunos estão aprendendo. O que realmente gostaria é que todos aprendessem. O que devo fazer para que meus alunos aprendam?

Assim respondi:

“Foi essa a pergunta que três professores fizeram, há 44 anos, numa escolinha portuguesa, a primeira a concretizar a proposta escolanovista… em equipe. Também poderás encontrar as tuas respostas… em equipe”.

O que eu pretendia dizer à Adriana era que a profissão de professor não deveria um ato solitário, mas um agir solidário.

Em outro e-mail, a Raquel, professora da rede pública, assim dizia:

“Sofro de sérias inquietações acerca de como a escola é tão opressora para as crianças, sendo que deveria ser um espaço de libertação. Me formei em pedagogia e não sinto que tive em minha formação a preparação necessária para a escola atual. A minha ideia é realizar a quebra de paradigmas, afirmar que, na nova escola, não é preciso dar aula. Humildemente, peço um pouquinho da vossa sabedoria, para dar luz nas minhas ideias, tão confusas. Afinal, eu também ainda sou uma professora que dá aulas. Eu poderia ser a sua aprendiz?”

Respondi com uma pergunta:

“Raquel, poderás ajudar-me a aprender? Poderei ser teu aprendiz?”

 

 

Por: José Pacheco