Contagem, 31 de outubro de 2040

Decorria o ano de 2011. Eu estava em Belo Horizonte, ajudando educadores a melhorar a vida das crianças. Foi trabalho jogado no lixo da história. Os projetos da rede pública foram traídos por professores, que se venderam ao sistema. Saldo positivo: muitos amigos mineiros eu fiz!

Um dos projetos era de uma escola particular. O PP-P continha abundantes citações de autores da moda, num discurso feito de pedagogia pseudo-humanista e de caricaturas de construtivismo. Convidado pelo dono da escola, acreditei no seu propósito e, durante quatro anos de trabalho voluntário e gratuito, me envolvi no projeto.

As práticas eram a negação daquilo que estava escrito no PP-P. Com a minha ajuda, educadores – como a Claudia, a Maria, a Lilian – as revisaram e fizeram coerentes. Instalaram dispositivos, efetivaram mudanças. Excelentes resultados não demoraram a surgir. Logo também apareceram torpes reações.

A maioria dos “professores” (não sei se poderei conferir-lhes tão digno estatuto) dessa escola sabotaram o trabalho da equipe de projeto. E todo o esforço se perdeu entre os caprichos do dono da escola e a conivência de serviçais “professores”, que, para não perderem o emprego, perderam a dignidade.

Herdeiro de uma cultura autoritária, o dono da escola impôs os seus caprichos, apoiado na representação conservadora de famílias-clientes, de pais que ignoravam o conteúdo do projeto político-pedagógico, pois nunca o tinham lido.

À semelhança de outras “boas escolas” daquele tempo, aquela escola era uma fraude. Sentindo-se protegida pelo seu “chefe”, uma coordenadora ignorante tomou decisões carentes de fundamentação científica, que feriam os valores consagrados no projeto da instituição. Hierarquicamente, comunicou (melhor dizendo, impôs) o regresso a velhas e absurdas práticas. contando com a obediência bovina da maioria dos professores.

A desonestidade intelectual foi recompensada com tablets oferecidos por um chefe, que comprava consciências com dinheiro. E mais um projeto foi extinto. Palavras, que representavam valores – autonomia, democraticidade, diálogo, responsabilidade… ética – continuavam a enfeitar o projeto (escrito), enquanto os padrões de comportamento cotidiano refletiam uma herança civilizatória calcada no autoritarismo.

Os educadores, que ousaram não concordar com absurdas decisões, foram intimidados, ostracizados e, em alguns casos, despedidos. O trabalho sério de reflexão sobre as práticas, um acervo de rica documentação arquivada num computador, desapareceu misteriosamente. Ninguém soube indicar o seu paradeiro.

A escola continuou cativa de uma concepção de produção em série, do papaguear conteúdo, da precarização do conhecimento. Alguns pais mais conscientes da situação, reagiram, exigiram o cumprimento do projeto. Porque não foram escutados, levaram os seus filhos para outras escolas.

Frustrada a iniciativa, afastei-me daquele lugar. Educadores com quem eu tinha trabalhado foram recomeçar em outro lugar. Como a minha amiga Lilia. Porém, a sua generosidade levou-a, mais tarde, para más companhias. Na melhor das intenções – acredito! – dava guarida em redes sociais a “aprendizes de feiticeiro” da educação.

Esta estória não tem um final feliz… mas não penseis que desisti. Preservei a minha amizade com a Lilian e deixei de perder tempo a contestar a mercantilização da educação. No tempo de vida que me restava, fiz “a minha parte”, ajudei a conceber uma nova construção social de educação.

Contar-vos-ei como tudo aconteceu.

Por: José Pacheco