Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (CCLXVIII)

Itabira, 3 de novembro de 2040

Ao longo de meio século de professor de chão de escola, raramente encontrei estudos que não partissem do pressuposto de que o tempo de aprender era o tempo passado em sala de aula. Exemplo típico desse equívoco foi a conclusão do estudo de um antropólogo, que demonstrava a necessidade de a sociedade compreender as peculiaridades da percepção e uso do tempo no ambiente escolar. Ele dizia ser muito importante que as “aulas” de matemática fossem administradas pela manhã. Supostamente, porque o aluno teria maior capacidade de “absorver” o conhecimento.

Se afirmações desse gênero, provindas de “especialistas” não fossem graves, seriam ridículas. Um dos pontos fortes do debate dos idos de vinte era “o tempo de duração de uma aula”. No decurso de um congresso, alguém perguntou se eu estava de acordo com a carga horária em vigor. Respondi que “carga” era coisa de jegue, com o devido respeito pelo colega e pelo jegue.

O colega voltou à carga. Perguntou-me se aprovava a alteração do tempo de aula de cinquenta para noventa minutos. Respondi, perguntando:

“Cinquenta minutos? Noventa minutos? Para qual aluno?” 

Ficou arrumada a questão, ainda que eu acrescentasse (e ele já não escutasse) que foi há cerca de cem anos que alguns pesquisadores chegaram à conclusão de que o “aluno médio” teria, “em média”, uma capacidade de atenção seguida de cerca de cinquenta minutos. Finalizei, afirmando que a duração da aula é uma falsa questão. Que teríamos de ultrapassar um discurso semeado de abstrações: “aluno médio, carga horária, ano letivo, semestre, trimestre… bimestre”.

A duração da aula decretada variou ao longo do tempo. Em 1986, a lei de bases portuguesa instituiu um mínimo obrigatório de 200 dias letivos anuais, derrubando os 180 dias letivos anteriores, “para que os alunos dispusessem de mais tempo para aprender” (sic). Mas, qual era o tempo de aprender? Um tempo decretado, ou um tempo ajustado a cada qual, alinhado com uma efetiva produção de conhecimento? Por que se padronizava o tempo de ensinar, sem deixar tempo para aprender? Onde estaria a capacidade de reinventar a gestão do tempo, no respeito pelo ritmo e necessidades concretas de cada ser humano?

Naquele tempo, a escola do tempo da aula produzia e reproduzia insucesso, porque as pessoas produziam organizações e por elas eram reproduzidas. Nunca alguém me conseguiu explicar por que razão havia ano letivo, ou porque as escolas fechavam para férias. Os hospitais e as igrejas também fechariam para férias?

Imaginai o vosso filho com uma crise de apendicite aguda. Chegados ao hospital, depararíeis com este aviso: “Estamos de férias. Deixe a sua inscrição no atendente e volte dentro de um mês”. É evidente que o apêndice se romperia e o vosso filho morreria. Imaginai outro, afixado na porta de uma igreja: “Volte em fevereiro, porque o pastor, o padre, Deus e os santos estão de férias”.

Alguém imaginaria contemplar dísticos deste tipo? Só na escola, que não sabia que a aprendizagem acontecia nos 365 dias de cada ano e nas 24 horas de cada dia. À revelia das descobertas da cronobiologia, as escolas mantinham rituais de horário fixo, como a hora de entrar e de sair, ou os cinquenta minutos de uma aula, que ninguém sabia explicar por que eram cinquenta. Ao mesmo tempo, todos deveriam estar olhando a nuca do colega da frente. E, entre dois toques de sirene, se anunciava o recreio.

Eu suspeitava de que existia alguma analogia entre o banho de sol dos presidiários e o recreio dos alunos, pois todos deveriam merendar, fazer xixi e defecar ao mesmo tempo, vigiados.

 

 

Por: José Pacheco

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