Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (DLII)

Vila das Aves, 6 de junho de 2041

Estávamos em plena década de sessenta. Os encarregados da construção de edifícios escolares estudaram alternativa ao projeto do “Plano dos Centenários”, de que vos falei em cartinha anterior. Em Portugal, vigorava ainda a “separação de sexos no ensino primário”. Na construção da primeira escola de área aberta, foi necessário construir quatro salas (duas de cada género) com recreios cobertos, também separados. O pátio e a sala polivalente eram comuns.

Nessa escola se pretendia realizar uma “experiência pedagógica”, cujo teor se desconhece. A burocracia do ministério a inviabilizou, com argumentos de natureza técnico-administrativa. E teriam também inviabilizado o novo projeto de edifício escolar, se algumas autarquias, a quem a lei permitia a construção de escolas para o ensino primário, não tivessem sido sensíveis à mudança.

Em 1971, grupos de professores influenciados por correntes cooperativistas introduziram duas inovações no projeto: o trabalho em equipa de dois ou três professores; a consideração de núcleos de espaços para grupos de alunos, fugindo ao tradicional sistema de turmas-classes. Apesar de refletirem a tendência para a criação de “classes de nível”, anteciparam a constituição dos núcleos de projeto da Ponte.

Havia quem confundisse os núcleos de projeto com a divisão do ensino básico em três ciclos, mas o vosso avô participara na “experiência das fases de escolaridade”, sabia que os “ciclos” inventados pelo ministério, anos mais tarde, mais não eram que nova segmentação cartesiana.

O ministro Veiga Simão estava mais voltado para outros assuntos, e os técnicos das construções escolares aproveitaram a oportunidade para contatos exteriores ao ministério, sendo influenciados pelos movimentos de renovação pedagógica que, nesse tempo e ainda em plena ditadura, tomavam forma.

O projeto P3 ficou concluído entre 1970 e 1972. Apesar de ter sido enviado ao ministério, nas suas diferentes fases, nunca obteve do ministério qualquer resposta, favorável ou desfavorável. Idêntica atitude de total mutismo se viria a verificar na fase de generalização de construção de “edifícios de área aberta – tipo P3”.

O primeiro prédio foi construído em Mem Martins. Depois, na Quarteira, Algarve. Seguiu-se concurso para edificação de outras vinte “escolas”. A construção, através das iniciativas das autarquias locais, generalizava-se. O ministério não se apercebera ainda de que tais escolas mereceriam uma atenção diferente, os seus professores uma formação específica, as comunidades alguns esclarecimentos.

Quando arquitetos e técnicos de educação conceberam as nossas “escolas de área aberta – a que chamaram “Projeto Normalizado P3” – sabiam que a Escola Primária era o lugar onde a criança passava grande parte do seu tempo. E que os primeiros anos de aprendizagem eram fundamentais para a sua vida futura. O que se aprendia e, principalmente, o modo como se aprendia, poderia despertar ou bloquear a evolução da personalidade. Libertar a criança da rigidez dos espaços e do mobiliário tradicionais pareceu a esses arquitetos um passo importante para a livre expressão e desenvolvimento da espontaneidade e criatividade naturais da criança. Também, um passo decisivo para a sua socialização.

A ensinagem do professor da classe tradicional era substituída por uma aprendizagem, que utilizava meios que facilitavam a apropriação de conhecimento. E a aprendizagem em pequenos grupos suscitava criação coletiva, desenvolvia cultura, o trabalho em comum, a vida em comum.

Por: José Pacheco

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