Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (DCIV)

Brás Cubas, 28 de julho de 2041

Nos idos de vinte, um projeto do governo de um estado determinou a construção de dezenas de escolas no “Padrão Século XXI” (sic). E um governador de estado inaugurou uma escola construída nesse padrão, que, ao que disse, custou quase três milhões de reais. Pouco tempo após a pompa da inauguração, um jovem aluno foi morto a tiro dentro dessa (dita) “escola-modelo”. E outro rapaz foi atingido por uma bala dita “perdida”. 

A diretora disse que “o rapaz tinha comportamento normal e boas notas”. O porteiro do colégio prestou depoimento: 

“A Polícia Militar vem, ajuda. Mas, quando eles saem, os marginais voltam”. Acrescentou que o colégio tinha encomendado câmeras de segurança e uma barreira de proteção em volta do prédio onde os alunos estudavam. Que um serralheiro colocaria as placas em volta da escola.

“Mas, antes de ficar pronto, infelizmente aconteceu essa tragédia”, disse. 

E tranquilizou os intranquilos:

“A Polícia Militar ficará na porta da escola entre os próximos quinze a trinta dias, até que o projeto de segurança seja implantado”.

Um superintendente da Secretaria de Educação “averiguou as condições da infraestrutura de segurança” e, peremptoriamente, afirmou: 

“Um circuito de câmeras de monitoramento será instalado ao redor de toda a escola”. 

A Polícia Militar, por sua vez, informou que fazia rondas intermediárias nas escolas. Porém, apesar de todas as garantias dadas por quem podia dá-las, poucos alunos apareceram na instituição na manhã seguinte. E uma mãe decidiu mesmo tirar o filho daquela escola, porque “se cansou de ouvir os relatos do menino, que afirmou ter testemunhado o uso de drogas no local”.

Culminando essa insana sequência de fatos, a escola, que era pública, se tornou uma instituição militar e passou a cobrar cem reais pela matrícula, cinquenta reais de mensalidade e cerca de cento e cinquenta pelo uniforme. 

Várias reportagens, como as do jornal Correio Brasiliense disso deram conta: “Escola pública vira colégio militar e cobra por matrícula e mensalidade”. Segundo a Secretaria de Educação, algumas escolas estaduais iriam passar a ser administradas pela Polícia Militar e, por isso, a PM poderia cobrar pela matrícula e pela mensalidade.

Dizia a minha amiga Ely que pais e governo comemoraram “o plano de recuperação da qualidade da escola”, através da colocação de policiais militares formados em pedagogia, “uma solução retrógrada, talvez inconstitucional e desnecessária”. 

Quanta ignorância a do pensar que se poderia acabar com a violência explícita com recurso à violência simbólica, numa escola-caserna! Ou que um ambiente castrense poderia gerar autonomia e verdadeira disciplina. Naquele tempo de medo e negacionismo, fenômenos como o das escolas cívico-militares se sucederam. Hoje, sabemos que foi grande o prejuízo causado por projetos desse tipo.

Na minha provecta idade, eu estava crente de que já tinha visto tudo, mas estava imbuído daquele “engano de alma ledo e cego, que a fortuna não deixava durar muito” Perplexo com tantas besteiras, iria juntá-las ao balde do lixo do computador. Eis senão quando este português cioso da sua herança cultural encontrou uma razão para reagir – a ocupação das escolas pela PM começaria

no “Colégio… Fernando Pessoa”. 

Por que não deixavam o poeta em sossego, no seu repouso eterno? Por que se calavam os educadores perante aberrações? Por que se permitia que a poesia e a pedagogia fossem vilipendiadas?

Diria o Fernando poeta que “tudo vale a pena, quando a alma não é pequena”. E o que não valia a pena era perder o dom da indignação.

 

Por: José Pacheco

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