Seia, fevereiro de 2040
Ainda em terras portuguesas, ainda evocando o Holocausto, para vos falar de um educador de nome Korczak (pseudônimo de Henryk Goldszmit). Fixai bem o nome deste insigne pedagogo, médico, pediatra, escritor, ativista social e oficial do exército polaco. Foi precursor de iniciativas em prol dos direitos da criança. No seu diário e no clássico “Como Amar Uma Criança”, dizia-nos que nosso mais forte elo com a vida é o franco e radiante sorriso de uma criança.
Fundou e dirigiu um orfanato, em Varsóvia, destinado a crianças judias. No início de novembro de 1940, o orfanato foi transferido para o gueto. Numa manhã de agosto de 1942, o chamado Pequeno Gueto foi cercado pelas tropas da SS. Durante a principal etapa de exterminação da população do gueto de Varsóvia, recusou propostas para se salvar. No dia da deportação, pediu para as crianças colocarem suas melhores roupas e pegarem o seu brinquedo favorito. Acompanhou as crianças e, quando estavam perto do seu destino, um soldado nazista reconheceu Korczak e ofereceu-lhe, mais uma vez, a oportunidade de escapar da morte. Recusou. E morreu junto com as crianças, no campo de extermínio nazista de Treblinka.
Quero que saibais que, também no sul, houve campos de concentração, nos anos trinta do século passado. E que os guetos de Varsóvia dos anos quarenta tiveram versão equivalente, no Brasil. Quando uma das piores secas assolou o Nordeste, os governantes criaram campos de concentração para que os miseráveis fossem impedidos de prosseguir a sua retirada do território da seca. Milhares de pessoas famintas pretendiam chegar aos centros urbanos, na esperança de melhores dias. Mas, cerca de setenta e quatro mil seres humanos ficaram prisioneiras nesses campos de concentração. Centenas pereceram por falta de alimento e vítimas de doenças, que proliferavam no campo.
Vasculhando a biblioteca, que deixei em Portugal, reli o “Berço das Desigualdades”. A cada voltar de página do livro do Sebastião Salgado, novas imagens confirmaram o título e me fez tomar consciência, mais uma vez, da responsabilidade que cabe à escola, que nos cabe, na perpetuação de horrores. As palavras do Cristóvão são tão concisas quanto discretas, e não reduzem o impacto das fotografias que legendam. O olhar penetrante das crianças “desiguais” invade-nos e faz-nos crer que, somente por humana presunção, acreditaremos viver o tempo da História.
No tempo que nos coube em sorte viver, os homens dirimiam os seus conflitos pelas armas. Matavam em nome de um credo. Edificavam tribunais e prisões em nome da justiça. Usurpavam territórios, para deles extrair vantagens, mas… em nome da paz. Uma humanização precária tinha a Escola como instrumento de reprodução de um modelo social iníquo – as escolas eram berços de desigualdades.
Sucediam-se decretos e despachos, decorrentes das conclusões de gongóricos relatórios produzidos por inúteis grupos de estudo. Acumulavam-se nos arquivos dos ministérios e das universidades dispendiosos “estudos”, que não logravam ir além de óbvias “recomendações”.
Felizmente para os “desiguais”, nem todas as escolas e nem todos os professores eram “iguais”. A remissão das escolas, anunciada na Ponte, no Âncora, na Escola Aberta, na Maria Peregrina e outras escolas de há vinte anos, assumiu a dimensão de rede no Distrito Federal. A Escola resgatava o seu papel de “berço de oportunidades”. Falar-vos-ei desse projeto, tão logo chegue a Brasília.
Por: José Pacheco