Santa Catarina, 25 de maio de 2041
No Portugal dos anos oitenta do século passado, a Lei de Bases, no seu artigo 45º, estabelecia o primado dos critérios de natureza pedagógica sobre os critérios de natureza administrativa. Esse artigo, que se saiba, nunca foi revogado e, com sucessivas revisões da lei, chegou a ser o 48º. Tinha por objeto a “administração e gestão dos estabelecimentos de educação e ensino”.
O seu teor foi letra morta. A sua intenção foi neutralizada pela burocracia instalada na chamada “Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares”. Reparai na ausência da palavra “aprendizagem”. Prevalecia a ensinagem e o controle da ensinagem assegurado por zelosos funcionários, que identificavam a “escola” com um prédio, a confundiam com um “estabelecimento”. E esse controle era acionado sobre professores e gestores de “estabelecimentos escolares”, que, por seu turno, agiam como “donos do pedaço” (na versão da gíria brasileira).
Reparai, com a devida atenção, no teor do número 3 desse artigo: “na administração e gestão dos estabelecimentos de educação e ensino devem prevalecer critérios de natureza pedagógica e científica sobre critérios de natureza administrativa”. Naquele tempo, era raro encontrar uma escola, ou um agrupamento de escolas, onde prevalecessem critérios de natureza pedagógica e científica. Prevaleciam critérios de natureza administrativa e até mesmo burocrática.
O primeiro parágrafo desse artigo assim rezava: “o funcionamento dos estabelecimentos de educação e ensino, nos diferentes níveis, orienta-se por uma perspectiva de integração comunitária”. Pura ilusão! Nos idos de vinte, cadê a integração comunitária? E acrescentava: “sendo, nesse sentido, favorecida a fixação local dos respectivos docentes”. E os docentes eram colocados bem longe das suas casas e das comunidades de pertencimento.
Continuemos a análise da lei, desde as intenções dos legisladores à sabotagem operada pelos regulamentadores: “em cada estabelecimento ou grupo de estabelecimentos de educação e ensino a administração e gestão orientam-se por princípios de democraticidade e de participação de todos os implicados no processo educativo”. Cadê a democraticidade, se o dever de obediência hierárquica obrigava ao cumprimento de ordens “superiores”, mesmo que com elas não se concordasse? Cadê a participação de “todos” na gestão? Quem eram os “todos”?
Sabia-se que alguns “todos” eram alunos, mas a participação “dos alunos nos órgãos referidos” circunscrevia-se “ao ensino secundário” e consistia num “faz-de-conta”. A participação cidadã dos alunos da Ponte na sua assembleia era proscrita. A sua quotidiana aprendizagem da autonomia era mais efetiva do que a autonomia “oficial”, que a lei apenas reconhecia a um “superior” ensino. Legalmente, apenas à universidade era conferido o direito ao exercício da autonomia:
“Os estabelecimentos de ensino superior gozam de autonomia científica, pedagógica e administrativa. As universidades gozam ainda de autonomia financeira”.
A lei impunha menoridade cidadã ao ensino “inferior”. As escolas padeciam de uma administração fossilizada. Após a celebração do contrato de autonomia da Ponte, outras escolas foram contempladas com contratos desgastados por uma regulamentação adaptada à racionalidade burocrática.
Remetidos para a condição de subordinados de lideranças toxicas, os professores eram privados do exercício digno da profissão, reproduziam arcaicos rituais, em ajuntamentos de escolas controlados por comissários ministeriais.
Por: José Pacheco
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