Maia, 23 de junho de 2041
Queridos netos, juntarei algumas reflexões à estória ontem contada. Convicto de que tenhais paciência para aturar as memórias do vosso velhíssimo avô, elas aqui vão:
“Que argumentos foram expostos pelos irritadiços professores? Nem um! Que debate foi possível? Nenhum! Aprendi mais uma lição: há perguntas que não podem ser feitas a certos professores”.
Se não “estavam preparados”, não buscavam preparar-se. Diziam não possuir formação para diversificar aprendizagens, mas não a providenciavam. Nada faziam para repensar a organização da escola, de modo a dar resposta à diversidade. Era mais fácil cumprir o faz-de-conta dos “planos de recuperação”. Bastaria ir ouvir a lengalenga de “especialistas” discursando sobre “autonomia e flexibilização”. “O problema da escola ficaria resolvido” (sic).
E ficaria resolvido “o problema dos alunos”? Ficaria resolvido o dos professores?
Na solidão, que a cultura isolacionista das escolas lhes impunha, os meus dois amigos professores promoviam “inclusões” clandestinas. No miraculoso quotidiano gesto de resistir, só não poderiam dizer o que pensavam, nem o que faziam. Um obsequioso silêncio os protegia.
A farsa se manteria por mais de uma década. No Brasil, um senador pediu-me ajuda, para preparar uma intervenção na UNESCO. Eu quis saber do que se tratava. Era mais um projeto sob o tema “Educação do Futuro”. Há mais de meio século, eu ouvira falar de uma “educação do futuro”, que nunca se fazia presente.
Quando soube que o Nóvoa – representante de Portugal na UNESCO – participaria no projeto, recordei-me de uma intervenção que ele fizera, numa sessão realizada na Assembleia da República. Pediu desculpa por falar “com frontalidade”, porque talvez não fosse a melhor maneira de iniciar um debate sobre o futuro da educação. Mas justificou:
“Eu sei que é duro, mas precisamos de nos olharmos no “espelho do passado”, de um passado ainda tão presente”.
Da intervenção do amigo Nóvoa relevo a defesa da liberdade de organizar escolas diferentes, por ser o que comporta uma dimensão ideológica e política mais marcada.
Ele denunciou a excessiva rigidez e uniformidade de um sistema escolar, em que a burocracia prevalecia sobre as lógicas educativas, quer através das pesadas estruturas hierárquicas, que controlavam as escolas, quer dentro das próprias escolas.
Nóvoa “colocou o dedo na ferida”. Nunca seria demasiada denunciar, porque aqueles que beneficiavam da prevalência da burocracia sobre a pedagogia mantinham-se numa espécie de “conspiração de silêncio” sob a qual prosperavam.
O meu amigo reivindicava a liberdade de escolha das escolas, dentro do espaço público da educação. Acrescentava que, para que essa liberdade se efetivasse, seria necessário que houvesse informação disponível e, sobretudo, “escolas diferentes”.
Para aqueles que não desistissem de lutar por uma escola pública de qualidade, era gratificante saber que havia gente com indiscutível autoridade científica a contestar a mesmice e a afirmar ser necessário repensar o funcionamento das escolas.
Nóvoa foi mais longe, quando afirmou que só seria viável assegurar que todos os alunos teriam sucesso, quando houvesse diferenciação pedagógica:
“Temos de construir soluções diferenciadas. Não poderemos continuar a trabalhar para esse “aluno médio”, que é uma pura ilusão, arrastando milhares de alunos para um destino de insucesso”.
Durante o debate realizado na Assembleia da República, apenas uma escola foi citada por António Nóvoa e referida como exemplo a seguir: a da Ponte.
Por: José Pacheco
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