Alphaville (SP), 12 de agosto de 2041
A primeira palestra do dia estava prestes a começar. Agitado, o organizador do congresso a mim se dirigiu:
“Professor, me ajude! O seu colega António Nóvoa vai fazer a palestra de abertura. E disse que quer um rato. Para que é que ele quer um rato? A palestra vai começar e eu não sei o que fazer. Me ajude, por favor!”
Apaziguei-o. O rato que o António pedia era… o “mousse” do computador.
Portugal evitava o recurso a anglicanismos. Tão logo a informática se apropriou do quotidiano luso, os portugueses ciosos da sua língua pátria criaram termos como “navegador” e “correio eletrônico”. Mais tarde, cederiam perante o uso e abuso de termos como “browser”, ou “e-mail”.
No início do século, era costume abrasileirar estrangeirismos. “Deletava-se” a página doze, “xerocava-se” a carta, “printava-se” o documento.
Convidavam-me para participar num “webinár” (“web based seminar”), quando, antes, me solicitavam a participação num seminário em rede. Em amenas conversas, escutava “dar o start”, sem que algo começasse, na nossa bela e rica língua materna. E, quando o meu “co-host” (coanfitrião) afirmava desenvolver o “mindset”, não fazia outra coisa que não fosse desenvolver “mentalidade”.
O meu amigo Tião resolveu fazer algumas alterações no programa de um congresso. Apagou o termo “insight”, trocou-o por “clarão”. Apagou a expressão “coffee break” e escreveu “paradinha para café”. E não trocou a expressão “brain storming” por “tempestade cerebral” – optou pelo mineirês “toró de palpite”.
Nos idos de vinte, a utilização de estrangeirismos chegara ao absurdo. Ao invés de publicar se “postava um “post”. Utilizava-se a palavra “workshop”, quando se designava uma oficina. O processo de retroalimentação era cognominado de “feedback”. E nem falo de pragas como as “call for papers”, os CEO, as start-up.
Por essa altura, recebia mensagens deste tipo:
“Professor, faça-me uma live”.
“Quando poderá fazer uma talk”?”
“Boa Noite! Podemos soltar o card para amanhã?”
Não se poderia substituir “power point” por “projeção de diapositivos”? E por que se falava “data show”, quando se poderia dizer “mostra de dados”?
Trocava-se o trabalho em rede por “networking”. E havia quem achasse falar inglês quando fazia “home office”. Em língua inglesa a isso se chamava “remote work” e, em bom português, poderia ser chamado “trabalho de (ou em) casa”.
A incursão desavisada em outras línguas era traiçoeira. A galera que comia “hot dog” e gostava dos “Bítous” não sabia que Beatles se deveria falar igualzinho ao que se escrevia. Os “motoboys” diziam fazer “delivery”, quando faziam entregas domiciliares. E, num dístico pendurado na porta de um restaurante, eu li: “SELF SERVICE A LA CARTE”. Uma língua se transforma, se transmuta… mas não se deve abusar.
Num congresso, na Inglaterra dos anos noventa, um inglês me invectivou:
“Why don’t you talk in English like the other speakers?”
Perguntou-me se sabia que a língua oficial do evento era o inglês. Respeitosamente, respondi:
“Dear friend, falarei inglês na Inglaterra, quando você falar português em Portugal”.
Naquele tempo, já sabíamos que as línguas não eram apenas sistemas de comunicação, mas de construção de realidade, como dissera Wittgenstein:
“Os limites da minha língua significam os limites do meu mundo”.
Uma sutil neocolonização linguística estava em curso. Esqueceramos que a linguagem produzia e reproduzia… cultura. E até cheguei a pensar que, pelo caminho de um anglo-saxônico monolingualismo, talvez viéssemos a precisar de falar… mandarim.
Por: José Pacheco
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