Morungaba, 18 de agosto de 2041
Na Ponte, celebramos “compromissos de honra” e os cumprimos. Mas, entre 1976 e 1986, enquanto não foi publicada a Lei de Bases, vivemos momentos de quase-extinção do projeto.
A lei vigente reproduzia vícios da ditadura e isso nos custou perdas e danos. Até que, em fevereiro de 1989, se concebeu o “Enquadramento Jurídico da Autonomia” e a Ponte recebeu o Primeiro Prémio de um concurso de projetos inovadores lançado pelo ministério. Experimentalmente, se concedeu à Ponte o direito de escolha dos seus professores. Estes não se candidatavam a uma escola perto de casa, faziam concurso para participar num projeto coerente com a sua visão de mundo e de educação.
Em 2004, quase trinta anos após o início do projeto, a Ponte celebrou um contrato de autonomia com o ministério da educação. Através dele, passou a poder escolher os seus professores. Mas, longo e penoso foi o caminho para a autonomia.
O concurso era universal e obedecia a parâmetros e critérios bem definidos. Mas, todo esse cuidado não evitou que tiques burocráticos se manifestassem e que novos corporativismos surgissem. Ficou célebre uma situação vivida durante um congresso, nos idos de noventa.
Como sempre, comecei por perguntar o que os professores ali presentes queriam saber. Logo, alguém se insurgiu nestes termos:
“Colega, a Ponte abriu um grave precedente. A partir de agora, qualquer diretor pode contratar um amiguinho seu. Uma diretora, que tenha uma filha para dar emprego, pode contratá-la. Não vão faltar “acordos de comadres”.
O meu interlocutor foi, entusiasticamente, ovacionado. E eu respondi:
“O colega admite que os professores não sejam éticos e que possamos viabilizar “compadrismo”? Haverá diretores desonestos? Crê que haja educadores desonestos?”
Ficou calado. Depois, falou um pouco, para se penitenciar das insinuações. E dali se foi.
Em 2014, participei do chamado “grupo de trabalho da criatividade e inovação”. Com a minha amiga Helena, com a Cláudia e com outros educadores, se deu visibilidade pública a 178 projetos com potencial de inovação. Raros foram os que sobreviveram. A mudança do prefeito, o capricho do diretor, o autoritarismo do administrador, pequenas traições de colegas professores, deitaram por terra o esforço de notáveis educadores.
Alguns dias antes do primeiro encontro do GT, tive ensejo de conversar com o que viria a ser o ministro Renato Janine. Perguntou-me se, “a partir da minha experiência da Ponte”, eu considerava que os projetos de inovação partiam sempre da periferia do sistema. Disse-lhe que a minha “experiência” era pouca, mas que a minha formação experiencial era significativa. E que, ao longo de meio século de projetos, ela me havia dito que eles partem, quer da base, quer do centro do sistema.
Os projetos são sustentáveis, quando a base e o centro estabelecem acordos de autonomia, o que raramente acontecia. Ano após ano, as escolas se viam privadas de professores leais aos projetos. Quando estes ingressavam em outra escola, raramente encontravam outros professores, que assumissem um compromisso ético com a educação. E se perdiam em emaranhados burocráticos. Àqueles que ficavam, restava-lhes proporcionar formação aos que chegavam e que só sabiam… “dar aula”.
O exercício da autonomia pressupunha assumir maior responsabilidade, que o educador se assumisse como trabalhador da educação ao serviço de um projeto adotado por uma comunidade. Mas, o “sistema” negava estabilidade às equipes de projeto e eram raras as escolas autônomas, eram raros os professores autônomos.
Por: José Pacheco
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