Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (DCXCVII)

Machio, 1 de novembro de 2041

O sistema educacional nada aprendeu com a primeira pandemia deste século. Após uma longa crise, manteve-se na rota da reprodução de um modelo enfermo de corrupção intelectual e moral.

Nos idos de vinte, encontrei centenas de livros didáticos, dentro de invólucros de plástico, num canto da biblioteca de uma escola. Outros, amontoados num corredor de uma secretaria, prontos para serem impingidos a crianças de… três anos!

Os manuais escolares, na sua maioria, não se recomendavam à inteligência, nem ao bom senso. Alguns anos atrás, uma ministra da educação parecia, finalmente, ter percebido o óbvio. Faltava apenas saber como desembrulharia o negócio das editoras.

Vozes esclarecidas, como a da minha amiga Tina, remavam contra a maré deseducativa. Numa velha pen drive, encontrei registro de uma das suas corajosas denúncias. No velho Facebook dos idos de vinte, deixava oportunas interrogações. Com a devida vénia e gratidão, aqui as deixo:

“As editoras atendem as necessidades dos professores, ou as editoras geraram nos professores uma cultura de dependência absurda de apostilas? Você decidiu ser professor, pois sua paixão era aplicar apostilas? Era robotizar todas as crianças para fazerem as mesmas coisas, com o mesmo método e no mesmo ritmo? Quando jovem você passou 4 anos na graduação aprendendo a ser aplicador de apostilas? Apesar de admirar Paulo Freire, decidiu aplicar a educação bancária, a ser o detentor do saber e a tratar as crianças como tábulas rasas? A pós-graduação te ensinou que as respostas estão no caderno do professor? As apostilas e o caderno do professor viraram a sua Zona de Conforto e sair dela lhe causa desestabilidade?

Você é marionete das grandes editoras e nem percebeu. Nos últimos 60 anos, acompanhamos uma crescente padronização educacional. Nos anos 50 uma cartilha se popularizou em todo Brasil e “o Ivo viu a uva” até nas regiões que não tinham uvas. Desde então, gigantescas editoras firmaram parcerias com o poder público. Acompanhamos a padronização sendo imposta em âmbitos municipais, estaduais e federais, com aprovações de grades curriculares cada vez mais formatadas, rigorosas e inalcançáveis. Quanto mais as grades padronizadoras avançam, menos aprendizagem significativa vemos… e ninguém vê relação entre esses movimentos? E há professores que pedem mais padronização? Não entendem que fazer mais do mesmo não irá gerar um resultado diferente? Qual a dificuldade de entender que a padronização é causadora de exclusão?

Vemos o avanço das padronizações dos saberes, dos métodos, das apostilas, das sequências, dos ritmos, dos comportamentos, dos horários, que pasteurizam até as músicas e as brincadeiras e sufocam as expressões culturais e regionais. Forçam que a criança deixe de ser ela mesma e passe a se comportar como o “indivíduo ideal” desejado pelos adultos, ou como diria Rubem Alves em Pinóquio às Avessas, robotizada, com comportamento subserviente, capaz de obedecer sem contestar, com boa memória para reproduzir feito papagaio o que foi definido pelos governantes e entregue pelas grandes editoras.

A padronização controladora extrai da criança a essência criativa e criadora e no lugar gera sentimento de inadequação, de incapacidade, de inferioridade, de fragilidade, de dependência, de impotência e de insegurança. A quem interessa uma nação formada por pessoas papagaios do saber alheio, frágeis emocionalmente e intelectualmente, sem capacidade de desenvolver o pensar crítico, analítico e criativo? Indivíduos ideais para quem?

Por: José Pacheco

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