Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (DCCII)

Telhada, 7 de novembro de 2041

Até à idade de seis anos de idade, uma criança já teria passado mais de cinco mil horas diante de um televisor. Sem fazer perguntas. A quem poderia perguntar, sozinha? Nem os adultos se interrogavam sobre o impacto formativo do uso excessivo da televisão, sobre passividade, alienação. Interrogar-se-iam sobre valores inculcados, por via de um acéfalo consumo de tv e computador? 

Se o seu estatuto socioeconómico lhes permitisse, a criança teria lidado com um computador, horas a fio, exercitando dois dedos, viciando o olhar numa profusão incontrolável de imagens. Em tenra idade, ficava exposta a subliminares influências consumistas, a uma erotização precoce, à violência e competição, que jogos idiotas estimulavam. 

Aos seis anos, ia para a escola, assistir a aulas. Com ou sem computador, senta-se numa sala e escutava respostas a perguntas que… nunca fizera. Regresso às interrogações das crianças: 

“Porque é que, às vezes, me dá vontade de chorar? 

O que é que há dentro de um buraco negro? 

Por que é que algumas meninas não gostam de mim? 

Por que foi o Bartolomeu Dias na armada do Cabral, se sabia que o caminho para a Índia era para o outro lado? 

Por que é que eu gosto de umas professoras mais do que de outras? 

Por que é que os anos têm doze meses? 

Porque é que eu, às vezes, perco a cabeça? E porque é que eu, às vezes, fico triste? 

De onde nasceu o mundo e por que nasceu? 

Por que é que os nossos dois olhos são da mesma cor? E por que é que você, professor, tem uns olhos diferentes dos meus?” 

O perguntar da criança era um ato inteligente. Quando a criança questionava, ela manifestava uma necessidade que subjazia à necessidade enunciada. Quando um aluno perguntava, ele tinha uma resposta, uma hipótese de resposta. Só pretendia testá-la. Sabia o que queria, perguntava e aprendia. Pois já dizia o saudoso João dos Santos, “se não sabe, por que é que pergunta?”

Juntava uma pergunta de professor à infindável lista: 

Porquê ser professor? Seria porque, em Educação, tudo estava ainda por fazer? Haveria maior desafio do que o de reinventar a Escola?

Dizia-nos Alberoni que muitos acreditam que, quando alguém não se interroga sobre aquilo que faz e só faz algumas coisas, repetindo-as, alcançará a perfeição. E acrescentava: “no entanto, essa ideia está errada, pois há uma lei fundamental na matéria viva, segundo a qual, em cada reprodução se perde um pouco de informação. Em cada repetição, os erros acumulam-se. De dentro não conseguimos ver o erro; quem se limita a repetir o que já sabe, no fim já nada sabe.” 

Regressava às interrogações, porque a minha amiga Erika me fez chegar uma missiva repleta de questionamentos. Mais do que isso, de disposição para perguntar, porque, como referia, tinha “pela frente dez anos para a aposentação”, mas não queria chegar lá em “certas condições”. Quais serão as condições? Ela explicitou: 

“Se nossa atividade profissional se distância do sonho que temos da pessoa que desejamos ajudar a formar e de nos formarmos enquanto educadores, é provável que, aos poucos, nos tornemos pessoas apenas cumpridoras de funções pré-estabelecidas, desprovidas de emoção. Perderemos autenticidade. E, ao perdê-la, perdemos tudo: a coragem arriscar, de questionar, de nos questionarmos.” 

Lendo a Erika, confirmava a minha convicção de que nem todos os professores morriam aos vinte e eram enterrados aos sessenta. O que impedia o questionamento era o incómodo do estranho que em nós habitava. Era a sensação do risco de nos expandirmos, de sacudir o torpor da acomodação, de nos libertarmos da tirania do pensamento fechado. 

 

Por: José Pacheco

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