Santiago do Escoural, 17 de novembro de 2041
Nos idos de vinte, eram publicadas teses sobre o paradigma da comunicação, sem que a transição da instrução para a aprendizagem tivesse acontecido. Falava-se de autonomia, de protagonismo juvenil, afirmava-se a necessidade de transformar o aluno em sujeito de aprendizagem, enquanto se mantinha hegemônico o modelo instrucionista, centrado no professor. Eram desenhados novos mapas sobre velhos palimpsestos. Era ocasião propícia a formular algumas perguntas.
Fiz algumas. Sem resposta. A primeira das perguntas poderia ser:
O Fundamental-Básico existia? Teríamos uma educação fundamental-básica caracterizada pela “complementaridade e sequencialidade”?
A compartimentação estanque entre ciclos era uma manifestação absurda dos cânones do paradigma mecanicista e originava rupturas traumáticas nos alunos, que não transitavam entre ciclos de um mesmo ensino básico, mas entre comunidades escolares autistas.
Hutmacher afirmou que ao entrarem no ciclo seguinte, os alunos experimentavam “uma espécie de regressão quanto ao seu empenhamento e participação nas atividades de pesquisa, de descoberta e de construção de saberes.” A sequencialidade regressiva, por seu turno, permitia que o Ensino Médio e a Universidade (através do malfadado vestibular) determinassem e pervertessem os objetivos de um ensino fundamental, que deveria ser terminal e autónomo. Contribuía-sendo para a elitização académica e o insucesso escolar, assumido como mecanismo de discriminação e exclusão social.
Estaríamos conscientes de que, para além do fato de se alterar a terminologia (de série ou classe para ano, por exemplo), não mudava mentalidades? Os professores eram de opinião de que a articulação era “pertinente”, “necessária”, “fundamental para a unidade da educação básica”, mas teriam modificado as práticas de gestão curricular e a organização das escolas, conferindo aos ciclos a sua vocação de complementaridade e sequencialidade?
Quanto tempo mais iria durar o drama da justaposição formal entre ciclos e da dependência de uma matriz curricular licealizante? Quanto tempo mais iríamos submeter os nossos alunos a sucessivos desenraizamentos culturais, em idades tão vulneráveis?
Seria possível conciliar a ideia da articulação entre ciclos com a segmentação interna de cada ciclo em anos de escolaridade? Seria possível pensar a articulação entre ciclos, se nem a articulação entre anos de escolaridade estava assegurada? E por que havia ciclos? E, se o sistema estava organizado em ciclos, alguém saberia explicar por que razão os manuais didáticos eram publicados com referência a anos de escolaridade?
Ainda era elevado o absentismo e milhares de alunos atingiam o limite de idade de frequência, reprovando repetidamente. As empresas que criavam salas de estudo e centros de explicações prosperavam. Muitos dos “explicadores” eram os mesmos professores, que não tinham conseguido “dar toda a matéria” nas suas aulas.
Havia analfabetismo funcional na universidade. E, quando havia vil metal para gastar, o ministério lançava projetos nas escolas e os professores os aplicavam, como se aprendizes de feiticeiro eles fossem. Estávamos habituados a ler preâmbulos de leis, que eram obras primas do discurso pedagógico, mas também já nos habituáramos à indigência pedagógica de certas “inovações”. Discutia-se o Médio e o Secundário sem que o Fundamental e o Básico estivessem cumpridos.
Naquele tempo, como dissera Aristides, era preciso ser louco, para fazer o que era certo.
Por: José Pacheco
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