Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (DCCXI)

Cortiças do Lavre, 18 de novembro de 2041

Dizia-nos o dicionário ser o professor “aquele que ensina”. Eu diria ser mais aquele que aprendia… ensinando. 

“Numa volta ao passado, recordo o exato momento em que descobri como se lia, mas não me lembro das aulas, ou melhor, não me lembro das aulas das outras professoras, pois lembro com nitidez e muito carinho (até fico emocionada quando lembro), as aulas da Dona Margarida (é a “culpada” pela minha decisão pelo magistério). Hoje, pensando nela, sei que o que a diferenciava era a relação de amor e respeito com o outro, o carinho como tratava os seus alunos, a forma mágica que impunha às suas explicações da matéria. Lembro ainda que, muitas vezes, pensei durante a aula, olhando para ela: é assim que eu quero ser quando for professora. Anos mais tarde, já terminado o curso, fui procurá-la. Já não dava aulas. Foi um reencontro fabuloso e, ali, pude dizer o quanto a admirava e o que ela representava em minha vida. Nunca mais nos vimos, mas ela é uma lembrança preciosa que guardo no meu coração.” 

Talvez vos possais rever no depoimento dessa professora. Também devo a um ser iluminado – mestre no dito “ensino tradicional” – a decisão que me levou ao magistério. Lograva conciliar duas características aparentemente incompatíveis. Era exigente, pois para ele a escola era estudo, esforço. Transbordava afeto, porque as escolas sem vínculos eram como redis de eunucos afetivos. 

Pressinto a necessidade de formular duas advertências. O professor que me “desviou” da Eletrotecnia para a Pedagogia era um praticante convicto do que se convencionou chamar “ensino tradicional”. Durante alguns anos, também eu fui professor “tradicional”. E orgulho-me de o ter sido. Preparava as minhas aulas com rigor, bons planejamentos, ótimos materiais, intensa motivação, acreditando ser aquele o melhor modo de ensinar. Isso, antes de conhecer outros modos… 

A inovação assenta na tradição, pois nada se pode construir no vazio, sem sustentação. A inovação não prescinde da tradição – Não se deite fora o bebé com a água do banho. 

Nutria repugnância pelas modas pedagógicas. Afastava-me dos “teoricistas”, que estabeleciam dicotomias maniqueístas entre “tradicional” e “inovador”. Exorcizava-os, num “vade retro” aos ingénuos e aventureiros “praticistas”, que negavam a importância da repetição, da memorização e de outra utensilagem “tradicional”. 

Quando me perguntavam qual era o melhor método, invariavelmente, respondia: 

”O melhor método é aquele que resulta!” 

Esta resposta arrastava muitos pressupostos. Talvez os recupere numa outra altura. Por agora, gostaria de vos falar de afetos. 

O que fez com que o professor Lobo (era esse o seu nome) alterasse as suas práticas, ao cabo de dezenas de anos de “tradicional puro e duro”, foi a pergunta que um aluno lhe dirigiu: 

“Professor, por que me castigas? Por que não me ensinas?” 

O professor Lobo passou por uma profunda revisão de vida – escutei-o, numa das suas últimas palestras –, transmutou em autoridade o autoritarismo típico das escolas da Ditadura. Colocou, no lugar antes ocupado por uma “pedagogia musculada”, uma afetuosa presença. Os alunos passaram a chamar-lhe “mestre” e a tratá-lo na segunda pessoa do singular, numa saborosa mistura em que o afeto não se confundia com languidez. 

Também a Cecília ensinava a ler contemplando o socioemocional das crianças. E, quando falava de afeto, eximia-se de um idealismo piegas, para o abordar como Freneit o entendia: 

“Para aprender, transformar e viver, é preciso fechar as fronteiras entre o intelectual e o afetivo.” 

 

Por: José Pacheco

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