Lagos, 19 de dezembro de 2041
Participei da criação do primeiro centro de formação do meu país. Nasceu sob o signo da dissidência, relativamente à formação que, então, se fazia. Realizamos centenas de ações de formação continuada. Mas, nunca o fizemos recorrendo a modalidades formativas instrucionistas, como o curso, os módulos de curso, os seminários, os treinamentos, ou estágios. Elegemos os círculos de estudos e as oficinas como práticas de uma formação isomórfica, adequada aos projetos, que acompanhávamos e que tinham por referência o paradigma da aprendizagem.
E chegou o momento das interpelações:
“O vosso projeto fala sobre os orientadores educacionais, no item 29: “A formação inicial e não-inicial dos orientadores educativos deve acontecer em contexto de trabalho, articulando-se a Escola, para esse efeito, com outras instituições”. Será que poderiam deixar mais claro?”
Efetivamente, “clarificamos”:
“Por detrás de toda a mudança efetuada na Ponte, há um conjunto de reflexões (teoria) que as sustenta. No caso da formação, existe uma dissertação com muitas páginas, que não ouso transcrever, mas de que extraí alguns excertos, que poderão ajudar a responder. Estes excertos têm três defeitos, para além de outros: refletem a realidade portuguesa (bem diferente da brasileira), restringem-se à modalidade de formação que adotamos na Ponte (o círculo de estudo) e estão “datados” (a dissertação foi escrita entre 1991 e 1994). Mas creio que se manterá atual.
“No campo da formação, as iniciativas foram tradicionalmente marcadas por uma preocupação eminentemente técnica. Visavam rituais de atualização concebidos por organismos centrais ou regionais do Ministério da Educação, com recurso frequente a instituições de formação inicial de professores. Os formadores refletiam uma profunda ignorância relativamente a problemas específicos deste ciclo de ensino e escudavam-se, inevitavelmente, na transmissão de conteúdos teóricos.
Estes encontros tiveram uma virtude. Foram oportunidades não desperdiçadas por alguns professores para interpelar a própria formação. Alguns segmentos conjunturais foram, deste modo, abertura para a concepção e desenvolvimento de projetos locais. E se alguns outros projetos foram anulados pela intervenção da hierarquia administrativa, outros houve que resistiram à erosão do tempo.
O modelo acolhe e valoriza a formação nos contextos mutáveis de trabalho, pauta-se pela flexibilização e pela harmonização com a aprendizagem informal. Não distancia a formação dos professores das realidades organizacionais em que os indivíduos atuam e reconhece que a ação educativa é apenas uma das componentes, um dos possíveis momentos de um processo de formação de adultos, e que, per si, uma ação educativa não é automaticamente formadora.
Em outras modalidades, a formação é concebida num espaço isolado dos contextos em que a aprendizagem se desenvolve. Pressupõe que a informação e a formação são dois momentos cumulativamente justapostos, numa linearidade simples.
A oposição entre teoria e prática é ultrapassada por uma praxeologia que confere à experiência um estatuto de fonte de conhecimento, enquanto objeto de reflexão e de produção dos próprios conhecimentos. A formação é um meio e não um fim em-si-mesma. Os professores são mediadores de formação. Passam da valorização do saber à sua partilha, inseridos num sistema social em que detêm competências específicas (…).”
A “clarificação” é texto demasiado longo, para ser transcrito numa só cartinha. A ele voltarei.
Por: José Pacheco
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