Divinéia, 28 de janeiro de 2042
O meu amigo Alex dizia-se impressionado com a quantidade de tempo, dinheiro e energia desperdiçados no modelo de sala de aula tradicional. E citava a Marcelle:
“A sala de aula é um lugar cheio de pessoas ausentes”.
Seres humanos apelidados de professor e aluno não estavam, realmente, ali. Estavam em outros lugares, “desejando, secretamente, viver, amar, rir, relaxar, “contribuir, criar, pertencer”.
Eis o que o Alex dizia:
“Salas de aula com jogos e projetos capitaneados pelo professor podem até “ativar” alguns dos alunos. Ainda assim, não são capazes de ativar a todos. Para obter a verdadeira presença, é preciso que adultos e crianças possam trazer o que está presente dentro de si: seus interesses, suas curiosidades, suas paixões, seus propósitos. É a partir desses presentes divinos que cada um de nós poderá criar suas jornadas mais potentes. Talvez eles não brotem instantaneamente depois de anos e anos de salas cheias de pessoas ausentes. É preciso algum tempo e, sobretudo, confiança para a anestesia ir embora”.
O Alex mostrava-se indignado com as tentativas de “mudar para que tudo permanecesse igual”. Na sua opinião, o uso da tecnologia, com ares de “inovação na educação”, na sua essência, não passava do recurso às ferramentas de reprodução das velhas e ineficientes práticas padronizadoras, com saberes fragmentados e decoreba como resultado final, adestrando mentes para passar em testes.
Tentava-se maquiar a mudança necessária, transpondo do analógico para o digital, sem mudar o modelo educacional. O Alx resumia numa frase a situação vivida nos idos de vinte:
“Não adianta ter a escola dos Jetsons com o modelo mental/pedagógico dos Flintstones”.
Na Internet, a Tânia conversava com o André sobre estórias inacreditáveis:
“Como o vídeo da criança a ser alimentada na creche à base de violência, ou uma tabela de “problemas de comportamento” e respetivas “medidas disciplinares”. Infelizmente, muitos outros eventos desse tipo acontecem nas nossas escolas.
Se toda a gente soubesse e tomasse consciência das micro violências cometidas, perceberia melhor o desrespeito que a escola tem pela criança, a pouca eficácia dos métodos de ensino, a necessidade urgente de fazer diferente.
Há que falar sobre estas coisas”.
No janeiro do Brasil de há vinte anos, a covid ainda açoitava um povo de corpo e alma fragilizado. Quando já se contavam por milhões as vítimas da pandemia, uma “nota técnica” do Ministério da Saúde brasileiro indicava o uso de hidroxicloroquina para o tratamento covid, rejeitando a vacina. Saltavam à vista os nefastos efeitos das “longas ausências em sala de aula”. Muitas crianças “ausentes” morriam.
Na Europa do janeiro de 2022, um ginasta campeão olímpico e autor de posts antivacina morria vítima da Covid. Nos Estados Unidos, um líder negacionista falecia, vítima de Covid. A par com os desmandos negacionistas, crescia o espectro de uma guerra. Os norte-americanos rejeitavam propostas da Rússia, dizendo que a guerra na Ucrânia dependia do presidente russo. Moscovo prometia retaliar o Ocidente. Gente crescida brincava às guerrinhas, como se a terceira guerra mundial não pudesse ser a última das guerras. Nesse janeiro pré-eleitoral, eram feitas candidaturas e desfeitas alianças. E, num ano em que o povo passava fome, o fundo eleitoral atingia o recorde de quase cinco bilhões de reais.
No contrafluxo da loucura generalizada, procurávamos modos de mitigar os efeitos perversos de um sistema educacional perverso. E eu encontrava na Divinéia um lugar de ficar, de viver.
Por: José Pacheco
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