Soeirinho, 6 de março de 2042
Netos queridos,
Se, hoje, vivemos tempos de paz, nem sempre assim foi. Nos idos de vinte, a humanidade parecia possuída pela pulsão da morte. Tudo recomeçou na antiga Ucrânia e deixou rastros de morte e destruição, que apenas se apagaram no final da década.
Na terça-feira de Carnaval de há vinte anos, o exército russo aproximava-se de Kiev. Em terras brasileiras, apesar das proibições, foliões juntavam-se em bandos propícios ao contágio de um vírus, que teimava em desaparecer.
A humanidade colhia os frutos de uma educação competitiva, causa indireta da ignorância e do egoísmo patente nas iniciativas bélicas e no desrespeito pelo próximo. Há mais de um século, Maria Montessori nos avisara:
“Todos falam de paz, mas ninguém educa para a paz. As pessoas educam para a competição e esse é o princípio de qualquer guerra”.
Num jornal de março de há vinte anos, o Presidente da França dizia que o estado de guerra iria piorar. E um secretário de educação do Brasil, nestes termos, reconhecia que o estado da educação, também, iria piorar:
“Aquilo que já era ruim ficou pior. Estou usando uma frase que já foi muito publicizada para dizer que o ensino médio já estava no fundo do poço e a pandemia mostrou que podia piorar”.
Perante os desanimadores resultados de sempre, efeitos de um sistema de ensino hierarquizado, autoritário, intelectual e moralmente corrupto, o Conselho Nacional de Educação admitia que a maioria dos alunos fora prejudicada e que estava ingressando no ensino superior sem estar devidamente preparada. Garantia que, para evitar novas perdas, seria necessário continuar ofertando atividades presenciais, deixando as escolas abertas. Mas, como garantir?
Se no Ensino Médio o cenário era de tragédia educacional, a situação no Fundamental não era das melhores. Os resultados ficavam abaixo do adequado em língua portuguesa. Um aluno que estava no 5º ano apresentava uma proficiência de um estudante do 3º ano. Cerca de 51% desses alunos, por exemplo, não conseguiriam responder uma questão para identificar a finalidade de um texto. No 9º ano, os alunos tinham o conhecimento adequado para o 7º ano.
A notícia de onde extrai estes dados acrescentava que os estudantes dessa etapa chegavam ao ensino médio com “pelo menos dois anos de defasagem nos conteúdos”. E o que propunham os “especialistas” e os secretários de educação, para travar o avanço da ignorância?
Impotentes, recomendavam o costumeiro tratamento da crise. Uma “especialista” alvitrava que se deveria estruturar “um programa de recuperação para alunos do ensino médio, que saíram da escola com tantas defasagens”. E
um secretário de educação corroborava a afirmação da “especialista”. Os alunos que concluíam o ensino médio tinham ainda “a chance de cursar um quarto ano opcional, criado em 2020, a depender de vagas disponíveis” (sic). E que pretendia lançar um programa com aulas aos fins de semanas, que poderia beneficiar ex-alunos e no preparatório do vestibular:
“A única maneira de recuperar essas defasagens é oferecendo programas de recomposição das aprendizagens”
A “única maneira”? Ledo engano! Essa era, na verdade, uma das piores das “maneiras”.
Para não correr risco de acabar no divã do psiquiatra, eu juntava as escassas forças de um idoso na tentativa de me abstrair das pedagógicas besteiras em que a administração educacional era pródiga. Concentrava toda a minha energia na ajuda a gente boa. Nem todos os agrupamentos de escolas eram controlados por burocratas. E havia secretarias de educação geridas por educadores éticos.
Por: José Pacheco
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