Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (DCCCXIII)

Murches, 9 de março de 2042

Ontem, uma boa alma me fez recordar um antigo ritual. Antigamente, era hábito comemorar o “Dia da Mulher”. Essa celebração foi caindo em desuso, à medida que dois géneros, juntamente com os géneros restantes, deram sumiço a atávicas segregações e colocaram o ponto final na “guerra dos sexos”.

Era sabido que, por detrás de uma grande mulher, havia sempre um bom homem. Exemplos era o que não faltava – O Einstein e a Curie que o dissessem – e o gênio criador do Celestin pedagogo se revelou, certamente, a partir de questionamentos formulados pela Élise:

“Como será uma aula onde os alunos não farão, todos ao mesmo tempo, o mesmo?” 

Nos idos de vinte do século passado, Élise Freinet era uma mulher prevenida, tinha consciência da obsolescência da organização do trabalho escolar centrado em aulas dadas para um (inexistente) “aluno médio”, em tempos iguais para todos. Nos idos de vinte do século XXI, a pergunta da sábia Élise permanecia sem resposta.

A que se deveria tal desacerto? Na década de setenta, o vosso avô identificou uma das causas. Quando era obrigado a assistir a palestras, deparava com palradores de acetatos (os “acetatos” colocados em retroprojetores foram os antepassados do famigerado power point) debitando respostas à interrogação da Élise. Diziam aos professores como deveriam “diversificar as suas aulas”, mas, à saída dessas “ações de formação”, eu escutava o habitual comentário:

“Aquilo e tudo teoria!”

O teoricismo era a doença infantil da teoria. E, porque havia quem enveredasse pelo aventureirismo pedagógico, o discurso dos “formadores” até chegou a ser causa de muita desgraça.

Na década de oitenta, aquando da minha licenciatura em ciências da educação, tomei consciência de que, por detrás da prática da Ponte, havia muita teoria. Que não havia prática sem teoria. Mas, também, confirmei uma triste realidade: havia teoria sem prática. As teóricas respostas dos “formadores” nada tinham a ver com práticas, que eles, artificialmente, revestiam de jargão científico.

A propósito, recordo-me de um episódio ocorrido, quando eu tentava preparar futuros professores para a dura realidade das escolas. Tudo começou com a frase que caracterizava o início de cada um dos meus dias: 

“O que quereis saber?” 

“Fale-nos de Bruner!” – retorquiram. 

“Por que quereis que eu fale do Bruner?” – inquiri. 

“Porque vamos ter uma prova noutra disciplina e vai sair o Bruner.” 

“E o que já sabeis de Bruner?” 

“Nada!” – exclamou a turma, em coro. 

“Deixai ver se eu entendo. A prova é já na próxima semana e vós ainda não lestes nada sobre o Bruner?” 

“Para quê? Quando formos trabalhar numa escola, não vamos precisar disso! Isso é só teoria! Só queremos que você nos dê aula como faz o professor da outra cadeira.” 

Quando citaram o nome do professor e me recordei dele como “formador”, curioso como era e ainda sou, quis saber como o professor dessa cadeira dera a aula sobre Bruner. Responderam: 

“O senhor doutor projetou uns slides, umas transparências. E foi lendo o que lá estava, aquilo que o Bruner escreveu nos livros.” 

“E vós, que ides ser professores, não sabeis ler?” 

“Sabemos. É claro que sabemos ler!” 

“Então, ide até à biblioteca e lede o que quiserdes sobre o Bruner. Depois, trazei para aqui as dúvidas que a leitura vos tiver suscitado pois, para que haja diálogo, todos nós teremos de estar por dentro do assunto.” 

“Nós preferimos que você dê uma aula sobre o Bruner.” – e já aprontavam papel e caneta, para apontamentos. 

“Não, meus amigos! Não vou dar a aula sobre o Bruner! Sou professor, não sou papagaio!” 

E por aí se quedou a conversa.

 

Por: José Pacheco

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