Unhais-o-Velho, 14 de março de 2042
No tempo da proto-história da Educação, bom senso nem sempre era sinónimo de juízo. Como em tudo o resto, supunha-se que no reino da Educação assim fosse, que prevalecesse o bom senso, o senso crítico. Porém, parecia predominar o mais elementar senso comum. Num jornal diário, li esta notícia:
“Professores, pais e estudantes do Rio de Janeiro protestaram contra a resolução da Secretaria Municipal de Educação, que acabou com os conceitos de “ótimo” e “insuficiente” na avaliação dos alunos do Ensino Fundamental. Com isso, os estudantes da rede municipal não podem mais ser reprovados. O Sindicato dos Profissionais de Educação do Rio vai entrar com ação no Ministério Público para revogar a decisão”.
Como sindicalista, senti-me traído. Como professor, envergonhado. Não seria fugindo para a frente que se conseguiria valorizar a imagem social da profissão, mas encarando os desafios.
A resolução chegava fora de tempo, era mera distração de políticos, mas os professores não deveriam “deitar fora o menino com a água do banho”. Dever-se-ia aproveitar a oportunidade para abrir um debate sério sobre o assunto. Porque a taxa de repetência na primeira série do ensino fundamental não andava longe dos 40%. E muitos alunos chegavam à quarta série sem terem aprendido a ler.
Logo se apontava a “progressão continuada” (prefiro o espírito e a letra desta designação) como responsável, esquecendo que os estados com maior taxa de repetência não adoptavam o sistema de ciclos nem a dita “aprovação automática”.
No mesmo jornal, também li que:
“A organização pedagógica consagrada é baseada na avaliação constante e não em notas e repetência. Mas a implantação é falha. É mais uma história da boa ideia que foi mal aplicada e mal-entendida. A falta de discussão e preparação para a organização pedagógica em ciclos e a progressão continuada manchou o nome de uma concepção de educação consagrada. Muitos pais, professores e até o presidente da República ainda não entendem a proposta.”
Esse era um tempo de memória curta. Talvez por isso, ouvi uma professora exclamar:
“Que bom que ainda há aluno repetindo o ano! Isso prova que ainda há escolas sérias que exigem aprendizagem!”
Eu não queria acreditar naquilo que escutava. Quanta confusão entre reprovação e… seriedade!
Ainda mais frustrante foi o que observei, no decurso de um congresso realizado no Rio, alguns dias após a publicação da referida notícia. O ambiente da sala era tenso e a pergunta dirigida aos palestrantes era esperada:
“Os senhores são a favor ou contra a progressão continuada?”
A uma pergunta direta deveria corresponder uma resposta direta. Porém, os conferencistas não disseram “sim”, nem “não”. Responderam “nim”. Fazendo uso do discurso de desculpabilização, disseram o que os professores queriam ouvir e foram ovacionados.
Um político afirmou que a “promoção automática” era como dar alta a um doente sem os devidos exames. As suas palavras fizeram-me recordar a clássica pergunta: se a melhor escola é a que mais alunos reprova, o melhor hospital será o que mais doentes mata?
Felizmente, havia quem não padecesse de corrupção intelectual. Vozes autorizadas para dirimir a polémica tomaram posição. Rose Neubauer veio dizer-nos que “a reprovação feita nas escolas públicas não recuperava deficiências e se tornava uma condenação ao fracasso”. Lamentável foi que ninguém lhe desse ouvidos.
Nos idos de vinte, ainda havia quem confundisse avaliação com classificação. Ainda havia professores que aplicavam prova, “davam nota” e não faziam avaliação.
Por: José Pacheco
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