Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (DCCCXLVII)

Nogueira da Maia, 14 de abril de 2042

Os professores que praticavam os quinze minutos recomendados de tutoria um-para-um, perguntavam aos seus alunos:

“O que queres fazer?” 

Os jovens retrucavam: 

“Não sei”. 

E, quando insistia na pergunta, os jovens diziam querer “fazer contas, cópias, matemática, português…”. 

Os tutores davam conta das dificuldades que os seus alunos enfrentavam. E decidiam dar aula, para se libertar e libertar os seus alunos do espartilho da sala de aula. 

Havia quem questionasse:

“Isso que fazeis está dentro da lei?”

Sugeri aos educadores que assinalassem na lei de bases os artigos que a velha escola não contemplava, que não cumpria. E que inventariassem aqueles artigos que reclamavam mudança, que sustentavam a criação de uma nova escola. 

Não pretendíamos legislar, pois tudo estava legislado a nosso favor. Apenas procurávamos encontrar modos de cumprir a lei. Já quase tudo fora discutido e prescrito em congressos e teses. E nós rejeitávamos raciocínios pré-fabricados, porque àquilo que era novo não se deveria aplicar raciocínios dedutivos. 

Tratar-se-ia de transformar insignificantes descobertas em práticas formativas, que questionassem as habituais rotinas, pois a máxima de Pascal nos avisava que, por detrás de cada verdade, seria preciso aceitar que existisse uma qualquer outra verdade, que se lhe opunha. Todo o conhecimento novo é, no momento da sua instituição, um conhecimento perturbador, polémico, causa de estranheza.

Quando instituímos a livre escolha de parceria nos círculos, partimos da ideia de projeto educativo fundado na partilha de uma mesma matriz axiológica. Recordo-me de uma conversa com o pai de uma aluna da Ponte e do que ele me disse:

“Vou tirar a minha filha desta escola. na outra, ela nada aprendeu. Aqui, aprende tudo e depressa. Mas, desde que ela para aqui veio, a minha vida é um inferno!”

“Por que diz isso? – inquiri.

“Olhe, professor! Antigamente, chegava a casa, cansado de trabalhar, ligava a televisão e bebia a minha cervejinha, vendo futebol. Agora, se eu arrisco sentar-me na poltrona, a minha filha vem logo com reclamações: “Pai, a mãe está na cozinha. Ela não é tua criada. Vai ajudá-la, enquanto eu ponho a mesa para o jantar”. Se eu saio do quarto de banho e me esqueço de desligar a luz, ela lá vem com a cantilena do costume: “Pai, olha a conta da luz, olha a Natureza!”, e por aí vai. Um inferno!

Não tirou a filha daquela escola. Reelaborou a sua cultura.

Na década de setenta, já questionávamos rituais, rotinas instaladas, o sarro da velha escola. Interpelávamos um obsoleto e injusto sistema de colocações, recusávamos a monodocência, organizávamo-nos em equipes de projeto. 

Para se compreender a importância da livre associação, bastaria ler uma notícia publicada na Revista Rumos: “Educar para a vida é em São Tomé de Abação. Muitos dos círculos de aprendizagem, que acompanhei nos idos de vinte, estiveram na base de profundas mudanças na direção e gestão das escolas. Substituíram órgãos unipessoais obedientes a “superiores hierárquicos” por conselhos e coordenações. Outros progrediram para graus superiores de autonomia, através da utilização de “guias de estudo” concebidos por Vaalgarda e Norbeck, mais tarde transformados em simples “roteiros de estudo”.

Queridos netos, toda a prática tinha subjacente, implícita ou explicitamente, uma teoria. Peço desculpa por citar autores que muito me influenciaram. Espero que estas descrições não vos aborreçam. Teço-as num linguarejar que tenta escapar ao uso de jargão científico, para que seja de fácil compreensão.

Por: José Pacheco

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