Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (DCCCLXIII)

Fão, 2 de maio de 2042

De passagem por Braga, reencontrei o Bernardino, amigo de há muitos anos. Era o coordenador de uma instituição que dava pelo nome de Comissão Justiça e Paz. Nesses tempos sombrios, o Bernardino alertava para “a urgência do diálogo” e para a possibilidade do aumento dos conflitos interpessoais.

A Comissão defendia ser urgente “protelar por uma ética do diálogo e do cuidado, de atenção aos rostos feridos pelo abandono e pela carência extremas”. Era crescente a vulnerabilidade económica e social. Urgia rever os valores transmitidos aos jovens e assumir um compromisso ético:

“Sem instituições justas, comprometidas com a procura do bem comum, dificilmente se sobrevive ao caos individual, nem faremos da terra o lugar de uma qualidade de vida ecológica, em relação sadia consigo mesmo, com os outros, com o tempo ou com os lugares”.

Impotentes, em pleno século XXI, assistíamos a uma guerra tão cruel e destrutiva como as anteriores. Mini ditadores falavam da possibilidade de acontecer uma guerra nuclear e o Guterres (comissário das Nações Unidas) recusava essa possibilidade, dizendo ser a guerra um absurdo em pleno século XXI.

Putin fazia ameaças nucleares à Otan, que prometera reforçar a ajuda militar à Ucrânia, para combater a invasão russa: 

“Nós não vamos ostentar nossas armas, mas sim vamos usá-las se for preciso. Quero que todos saibam disso.”

O conflito atingia o grau da demência, porque, a acontecer uma guerra nuclear, ela seria a última das guerras.

Zelensky denunciava centenas de violações de crianças por militares russos:

“Centenas de casos de violações registados em áreas que estiveram sob ocupação do exército russo, incluindo meninas menores de idade e crianças muito pequenas”. 

Nas áreas libertadas da ocupação, o registo e a investigação de crimes de guerra continuavam. Eram encontradas valas comuns:

“Milhares e milhares de vítimas. Centenas de casos de tortura. Continuamos a encontrar corpos em canalizações e em caves. Foram registadas centenas de casos de violações, incluindo de meninas e crianças menores de idade. Até de um bebé!” 

Uma comunicação social tendenciosa e a contrainformação dos agressores tentavam justificar a matança dos inocentes. Perdera-se o senso de humanidade, pouco valia a vida humana. Destruídas as casas e os pertences, restava a fuga, a busca de um refúgio. Na Pampilhosa da Serra, a Cléo cuidava de dezenas de crianças vítimas da guerra na Ucrânia. 

Oculta, uma guerra surda acontecia no extremo oposto da geografia. Nos Estados Unidos, uma criança de quatro anos morria, após ter sido forçada a beber uma garrafa de uísque:

“Roxanne, de 53 anos, forçou a neta a beber uma garrafa inteira de uísque. A mãe da criança presenciou o crime. Ambas foram detidas e levadas para a prisão, acusadas de homicídio. China Record, de quatro anos, morreu devido a intoxicação alcoólica aguda”.

No Brasil, a imprensa nos dizia que o mundo estava em guerra e não só na Ucrânia.

“Célia foi espancada pelos seus vizinhos, após ser acusada de denunciar para a Polícia Militar uma festa que aconteceria em uma casa ao lado da sua. Ao sair de futevôlei, um adolescente de 14 anos foi estuprado. “Agro milícias” assassinaram 35 pessoas em conflitos no campo. Filha vem do Peru ao Brasil se aproximar do pai e é estuprada por ele. Vítima foi resgatada após passar seis dias em cárcere privado sendo estuprada (sic)”. 

O assaltos, os latrocínios, o assassinato de homossexuais e o feminicídio eram rotineiras notícias. E dávamo-nos conta de como era curta a distância entre um feminicídio e uma guerra na Ucrânia.

Por: José Pacheco

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