Coruche, 7 de junho de 2042
Por finais do século XX, duas obras me marcaram profundamente. Uma da autoria do amigo Nóvoa: “Os professores na virada do milénio: do excesso dos discursos à pobreza das práticas”. A outra escrevera-a o Boaventura: “A crítica da razão indolente: contra o desperdício da experiência”.
Na sua releitura e entre outras contribuições para o reconhecimento da minha ignorância, reencontrei bases da crítica da “pedagogia predial”. Lauro a fizera, na década de sessenta. E o amigo Ilídio a retomara, quando se apercebera de que apenas uma escola P3 – creio que dela vos falei – conseguira manter-se fiel aos princípios do modelo de “escola de área aberta”.
Sabe-se lá por que critérios (científicos!), o Ministério da Educação criara as “escolas básicas integradas” e já cometera o crime de transportar e encaixotar crianças em megalómanos “centros educativos”. Nas aldeias do interior de Portugal já não havia crianças e os antigos edifícios escolares apodreciam. E o Fernando assim dizia:
“Apesar da matéria de tipologias de rede escolar já estar esgotada no debate educacional e de, ao longo das duas últimas décadas, já ter esgotado a paciência de muitos autarcas, gestores escolares, professores e outros atores do sistema escolar, elas continuam a ser apresentadas pelos responsáveis do Ministério da Educação como prioridades educativas.
Tal não significa que a tipologia de uma escola não seja aspecto irrelevante; o que significa é que a questão se torna relevante apenas quando inserida num projeto educativo que não fique refém dos aspectos de morfologia.
Esta é a característica essencial do projeto da Escola da Ponte — quando pretende desenvolver uma experiência de integração dos três ciclos do ensino básico —, mas paradoxalmente é com base em argumentos de natureza gestionária e de mera morfologia que a continuidade desse projeto é ameaçada pelos responsáveis pelo Ministério da Educação.
Este projeto representa, assim, um exemplo de coragem que deveria ser apoiado por todos, a começar pelos responsáveis pelo ministério. No entanto, ao invés de o apoiarem e incentivarem ameaçam a sua continuidade. Tal posição põe a nu a hipocrisia que tem caracterizado o discurso sobre a Educação.
O discurso tem sido fértil em referências à autonomia da escola, à gestão flexível do currículo, ao trabalho em projeto, à educação para a cidadania etc., mas as posições concretas do ministério relativas à Ponte mostram que se trata apenas de um discurso balofo.
Se se tratasse de genuínas intenções, o projeto educativo da Escola da Ponte não seria silenciado. Pelo contrário, seria encarado como um caso exemplar de práticas e experiências de autonomia, de gestão flexível do currículo, de educação para a cidadania, de trabalho em projeto, de vivência democrática. Com a diferença de, no caso da Escola da Ponte, não se tratar de palavras ocas como as que têm invadido os textos das sucessivas e desacreditadas reformas educativas.
Sobre o que está em causa, o subtítulo de uma obra de Boaventura de Sousa Santos – contra o desperdício da experiência – é elucidativo. No período que estamos a viver, em que é visível uma enorme descrença nas possibilidades de mudança da escola e das práticas educativas e um grande desalento dos professores, a experiência da Escola da Ponte não pode ser desperdiçada. Sob pena de deixarmos de acreditar que é possível construir mudanças em educação e pela educação.”
O Fernando encontrara resposta para uma pergunta, que, muitas vezes, eu escutara:
“Por que não há mais escolas como a Escola da Ponte?”
Por: José Pacheco
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