Ourém, 13 de junho de 2042
No fundo mais fundo do baú das velharias deparei com um desabafo do Enguita:
“É verdade que o ensino público se encontra hoje sob fogo cruzado. Mas, o seu principal inimigo não está lá fora, mas dentro”.
E o amigo Fernando corroborava a afirmação do sociólogo:
“O ambiente de reforma permanente das duas últimas décadas não tem sido favorável à reflexão, à experimentação e à descoberta de alternativas à forma escolar tradicional, pois a azáfama de mudança e o “alvoroço projectocrático” em que as escolas e os professores têm estado mergulhados têm gerado uma mentalidade expectante e uma lógica de sobrevivência que se traduz numa maior preocupação com a encenação, o aparato e o faz-de-conta do que com os processos educativos concretos.
Tal clima não tem deixado tempo para a reflexão sobre questões que possam fazer a própria agenda educativa das escolas e dos atores locais. Estes andam cada vez mais atarefados, desinteressando-se, ou vendo-se impossibilitados, muitas vezes, de exercerem uma atitude reflexiva e crítica sobre os constrangimentos e as oportunidades da sua ação profissional.
Os temas do momento das reformas educativas tendem, assim, a ser encarados numa lógica aditiva – mais trabalho, mais disciplinas, mais reuniões, mais papéis – e de exterioridade relativamente aos processos de mudança – a mudança é o que eles (o Ministério e as estruturas da administração) determinam – e não como uma possibilidade de transformação do próprio trabalho quotidiano.
Não deixando tempo aos professores, aos alunos, aos pais e a outros atores locais para a reflexão sobre o que realmente é necessário mudar nas escolas, o ambiente de reforma permanente tem sido, assim, mais favorável à emergência de um pensamento fatalista e resignado do que à ação autónoma e reflexiva.”
À margem dessa encoberta crise, as redes sociais reproduziam alguns bate-papos, que valia a pena seguir. Foi o caso de uma animada troca de mensagens entre o amigo Domingos e alguns comentadores, que assim se iniciou:
“No país dito dos “brandos costumes” há quem seja capaz de mentir despudoradamente para, supostamente, “sustentar” os seus pontos de vista. E há também quem seja capaz de fazer afirmações acerca das realidades sociais sem apresentar qualquer fonte credível que sustente tais afirmações.
Enfim, como alguém disse um dia, parece que quanto menos se estuda e quanto menos se investiga, mais “verdades” se parecem afirmar. Por isso, aprender a pensar, desenvolver o espírito crítico e as competências mais complexas de pensamento nunca foi tão premente e deve ser um desígnio fundamental dos sistemas educativos e de todos aqueles que neles trabalham.
Se assim não for, os cidadãos mais incautos podem correr o risco de “ir atrás” das “ideias” de certos seres que, apesar de nunca terem estudado seriamente os assuntos acerca dos quais se pronunciam e/ou publicado o que quer que seja que tenha sido escrutinado por entidades idóneas, se desdobram em retratar a realidade social tal como lhes interessa.
Sem apresentarem quaisquer fundamentos e/ou quaisquer evidências empíricas credíveis. Uns “sem-vergonha”, dirão uns. Uns “mentirosos”, dirão outros. Eu diria que, para tais criaturas, a ética nunca existiu, não existe e nunca existirá.”
Se a formação intelectual era paupérrima, a formação moral andava pelas ruas da amargura. O Domingos lamentava haver quem retratasse a realidade social como lhes interessava retratar. Mas, talvez não percebesse de que muitos dos que desse modo agiam eram seus colegas… das ciências da educação.
Por: José Pacheco
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