Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (CMXII)

Lavre, 20 de junho de 2042

Nas minhas andanças pelos brasis da educação, numa simples garimpagem de sebo de rua, deparei com um espólio científico extraordinário. Na Psicologia, a escolanovista Helena Antipoff. Na Sociologia, o corajoso Florestan Fernandes. Na Psiquiatria, a genial Nise da Silveira. Na Antropologia, o incontornável Darcy Ribeiro. Na Pedagogia, o profético Lauro de Oliveira Lima, Herculano Pires e outros ostracizados mestres, cujas memórias foram assassinadas e cujas obras os professores não leram, ou mesmo os nomes ignoravam. 

Seria provável que alguns fossem identificados. Porém, os seus contributos ainda não haviam fertilizado as práticas… Freire incluído. As suas propostas tinham diferentes origens e filiações: no Positivismo, na Escola Nova, na Educação Libertária, na Antroposofia, na Teoria Crítica. 

Definiam-se como: montessorianos, steinerianos, espíritas, anarquistas, neomarxistas, ou não enquadrados em qualquer dessas tribos. Tinham em comum a crítica da velha escola e o apontar da necessidade de a substituir por comunidades de aprendizagem, expressão que surge pela primeira vez na obra de Lauro, mas que, no pout pourri de tendências e práticas, se manifestou no Brasil desde o início do vigésimo século.

Para procurar entender por que falharam as nobres tentativas de mudança tentadas por Freire e tantos outros grandes mestres, deparei-me com a existência de um denominador comum. Nas obras desses mestres, cada qual a seu modo, referindo, ou não, a palavra comunidade, apontaram para a necessidade de… aprender em comunidade.

Me reconheci como etnocêntrico europeu e disso me penitenciei, quando adentrei a produção científica brasileira. As referências bibliográficas eram, quase todas, importadas. Mais ainda: apercebi-me de um absoluto desconhecimento da produção teórica do Lauro e de outros brasileiros por parte dos autores dos estudos. 

A minha amiga Maria Amélia da Casa Redonda de Carapicuíba presenteou-me com um esboço elaborado por Lauro de Oliveira Lima, no início da década de 1960. Isso mesmo: nos anos sessenta! A visão percussora do Mestre Lauro impressionava. Embora marcado pela época, o esboço antecipou, em trinta anos, os primeiros estudos conhecidos sobre comunidades de aprendizagem de origem anglo-saxônica e catalã. Só o Brasil não sabia. A comunidade científica brasileira padecia da síndrome do vira-lata. 

Aconteceu que, no meu périplo lusitano dos idos de vinte, deparei com uma escola, cujo nome inscrito no muro da portaria me encheu de alegria.  Aproximei-me do portão, para realizar uma rápida pesquisa. Perguntei a cerca de uns trinta alunos quem fora Agostinho da Silva. Nem um me soube dizer. Desisti quando, apontando para o muro da escola, um jovem me perguntou:

“Quem é esse Agostinho?”

Nos idos de noventa, participei na criação de um centro de formação de professores. Propus que lhe fosse dado o nome de Sebastião da Gama e, em coro, escutei:

“É nosso colega?”. 

Eu fiquei sem fala. Era confrangedora a tomada de consciência de que os meus colegas de profissão não conhecessem sequer o nome de um dos maiores educadores portugueses do século XX, que falecera, há muito tempo. Também desconheciam terem existido vultos como Irene Lisboa, Bento de Jesus Caraça, Adolfo Lima, Faria de Vasconcelos, António Sérgio…

Quis registar em livro a memória desses e de outros eminentes educadores. Que me perdoassem os excelentes pedagogos vivos, como o amigo Nóvoa, se optei por nomear aqueles que já não eram deste mundo, nas obras que publiquei… fora de Portugal.

 

Por: José Pacheco

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