Albufeira, 25 de junho de 2042
Entrávamos na década de vinte numa situação insustentável. A crise do velho “sistema” atingia o seu clímax, enquanto educadores lúcidos repetiam, à exaustão, ser urgente, necessária e possível uma reorganização social da aprendizagem e da educação, da escola, criar alternativas à chamada “escola tradicional”.
Como diria o amigo Fernando, urgia libertar os professores e a sociedade de uma mentalidade expectante e de uma lógica de sobrevivência, que se traduzia numa maior preocupação com a encenação, o aparato e o faz-de-conta do que com os processos educativos concretos.
Feito um balanço de décadas de descalabro, confirmava-se o que o amigo António dissera, ainda no passado século: a sofisticação do discurso oficial contrastava com a miséria das práticas. As medidas de política educacional negavam a muitos alunos o direito à educação e os administradores do “sistema” arrogavam-se no direito de manter políticas arcaicas.
Se o modo como as escolas funcionavam provoca a exclusão de muitos jovens, as escolas teriam direito a organizar-se desse modo? Se, do modo como se ensinava, muitos alunos não aprendiam, poderíamos pecar por omissão e permitir que essa antiética atitude prevalecesse?
Desde há cerca de duzentos anos, um modelo de ensino hegemónico fundado no paradigma da instrução era causa direta de uma hecatombe escolar, denunciada desde os primórdios da Escola Nova. E eram muitos os sinais da sua obsolescência:
Prosperava a indústria das “explicações” e dos “centros de estudo”, evidências de que continuava a ser negado a muitos alunos o direito constitucional à educação, o cumprimento do estabelecido na Lei de Bases do Sistema Educativo e na Declaração Universal dos Direitos da Criança.
Apesar da maquilhagem pedagógica, eram significativos os índices de reprovação, fruto de uma avaliação seletiva, excludente, contrária àquela que a lei estabelecia.
A reprodução de um modelo de escola, que anulava quaisquer esforços de inclusão escolar e social obrigava à criação de “escolas de segunda oportunidade”;
Embora residual, o fenómeno da manutenção de analfabetismo literal e funcional, bem como de evasão escolar, eram claros sinais da obsolescência do “sistema”
A prática de uma monodocência no 1º Ciclo do Ensino Básico, reduzia para um terço o currículo legalmente prescrito, remetendo-o para o back to basics, dado que as áreas de expressão – Musical, Dramática, Plástica, físico-motora, por exemplo – não são trabalhadas. Muitos dos meus colegas “professores primários” diziam “ser culpa era do sistema”.
A concepção de escola como sendo um prédio com salas de aula, conflituava com o princípio que nos dizia serem as escolas pessoas, que aprendiam umas com as outras mediatizadas pelo mundo.
Perenizava-se um modelo de direção e gestão burocrático, hierárquico e autoritário, em tudo contrário ao prescrito na Lei de Bases do Sistema Educativo, nomeadamente o seu 48º artigo.
Iniciativas de política educacional assentes numa racionalidade técnico-instrumental sem qualquer fundamento legal ou científico, contribuíam para a manutenção de um nefasto status quo burocrático-administrativo. Eram evidentes os sinais de degenerescência moral e intelectual, acumulavam-se obstáculos a um desenvolvimento humano sustentável.
Sentia-me “regressando” aos idos de setenta, tempo de insanos embates com inspetores e burocratas. Mas, também. pressentia que tudo iria ser concretizado nos anos seguintes. Só precisaríamos de exercer compaixão e paciência. Muita paciência!
Por: José Pacheco
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