Lavre, 12 de julho de 2042
No tempo em que o vosso avô procurava um lugar para se retirar de afazeres e descansar de um sem-fim de viagens, dois poisos se afiguravam passíveis de escolha. Um deles situado no litoral, outro no interior. Quem dera que essa dicotomia não existisse! Não seria fácil optar, pois viria a ser um cais em que o trem da chegada não voltaria a ser trem de partida.
Nessas terminais andanças, revisitei o meu amigo Alfredo, na sua casa do Freixo do Meio. Naquela manhã do julho de há vinte anos, o Alexandre filmou o Alfredo derramando sabedoria, num depoimento sobre um Agostinho… que andava por ali.
O Alfredo se dizia epicurista e o seu humanismo passava, efetivamente, pela busca da felicidade. Uma felicidade alcançada numa vida modelada pelo autoconhecimento, pela amizade, pela prudência. Me acolheu como os alentejanos sabiam receber e mostrou-me lugares habitados por um silêncio entrecortado pelo canto dos pássaros. Fiquei com vontade de ficar, mas precisava voltar ao Brasil.
Ao encontro de potenciais Saramagos e agostinianos educadores, ao longo de duas décadas, eu viajara o Brasil de lés-a-lés. Nese julho, pela derradeira vez, fui contemplar a Serra da Canastra e o mundo corpóreo de Eurípedes. A admiração por esse notável ser humano, que se mantinha no rol dos educadores desconhecidos, leva-me a voltar a falar dele. Espero que o assunto seja do vosso agrado.
Eurípedes preocupava-se com os desfavorecidos, cuidava dos abandonados. Essa atitude só poderia ter por resposta a contestação daqueles a quem interessava manter um sistema iníquo. Foram banidos da história oficial da educação todos os projetos que, como o seu, visavam libertar o povo de amarras neocolonialistas. O dogmatismo ideológico não consentia veleidades e a história da educação sempre foi feita de martírios silenciados.
Esse extraordinário Mestre não tinhas condições financeiras para pagar salários e os seus professores eram voluntários da comunidade. Há mais de cem anos, não recorria a provas, exames ou classificações. Providenciou a derrubada de paredes e daquelas que são internas, promovendo debates semanais.
Incentivava a participação dos alunos em ações sociais e os jovens aprendiam a moral na prática comunitária, aprendiam a pensar e a questionar, como nos dizia a Corina:
“Eurípedes não queria alunos que obedecessem cegamente, mas que aprendessem a criticar, a questionar e a pensar.
No seu colégio, os alunos praticavam Astronomia, o estudo da (e na) Natureza, em aulas-passeios, muito antes das andanças de Celestin e de Elise Freinet. E os dias de apresentações de teatro eram dias de festa. “Os alunos confeccionavam belos cenários” e toda a comunidade participava.
Eurípedes ansiava por uma escola gratuita, acessível a toda a comunidade, rompendo com a ideia de um aluno passivo diante do conhecimento e submisso a uma disciplina rígida. Substituiu o ensino verbalista pela arte de observar e apreender o mundo. E foi audaz, quando tentou coeducar.
“Onde já se vira moços e moças juntos? – questionavam clérigos e barões.
A imprensa da época, controlada pelos poderosos, não deu tréguas ao seu intento, que somente viria a concretizar-se, três décadas decorridas, na gestão do Capanema.
Já havia desencarnado, no fatídico 1918, em que a febre amarela ceifou milhares de vidas no triângulo mineiro. Restaram os seus discípulos. O seu aluno Tomás viria a ser professor de Roberto Crema. Como vedes, foi terreno fértil aquele que desbravou em Sacramento. Como vedes, temos motivos para sermos esperançosos. Eurípedes está por aí…
Por: José Pacheco
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