Vidigal, 4 de agosto de 2042
Quando parti para o meu voluntário exílio, havia muitos “centros de explicações”. Quando voltei a Portugal, ao cabo de vinte anos, havia muitos mais. Embora absurdos rankings sugerissem o contrário, o abandono intelectual dos jovens aumentara. E havia indícios de falsidade ideológica, pois as escolas não praticavam o que estava escrito nos projetos que tinham aprovado. Por mais rudes que essas afirmações possam parecer, crede que era essa a dura realidade, nos idos de vinte.
O “sistema” ressuscitava velhos projetos, para maquilhar tristes realidades E gastava milhões de euros dos “fundos comunitários” no acumular de relatórios surreais.
Nas superiores esferas de erudição pedagógica, eternizavam-se guerrinhas de alecrim e manjerona, como aquelas (apenas teoricamente) travadas entre construtivistas e pós-construtivistas, entre escolanovistas e instrucionistas etc. etc. etc.
Enfim! Era tal e qual como no tempo em que atravessei o oceano, para reaprender a aprender. Nesse tempo, face ao anedótico despautério, a minha criança grande reagia. Quando me perguntavam se eu era “construtivista”, a minha criança grande respondia que eu era “destrutivista”. Se me questionassem sobre “escolas cívico-militares, ela respondia que eu só debateria assuntos sérios.
Para escapar de dualismos e maniqueísmos das seitas pedagógicas, a minha criança grande contava anedotas, como aquela que vos dou a ler:
Certo dia, foi realizado um torneio, para saber qual seria a melhor corrente pedagógica, aquela que, praticada, redimiria todos os males do sistema.
Para não ferir sensibilidades, trocarei os nomes das correntes por letras do fim do alfabeto e vos direi que, ao cabo de muitas eliminatórias, sobraram duas, colocadas num frente a frente emocionante.
A prova final consistia em resolver um problema simples: substituir uma lâmpada fundida. Porém, o júri do torneio exigia uma solução “criativa”. Os prosélitos da seita pedagógica X apresentaram uma solução baseada no que diziam ser “metodologias ativas”. Os adeptos da seita Y não apresentaram proposta. Questionados, responderam:
“Nada propusemos, porque o nosso mestre nunca escreveu teses sobre lâmpada fundida”.
A minha criança grande, a do “Guardador de Rebanhos” era implacável. Cansada de assistir a estéreis quezílias académicas, ironizava. Até ao dia em que eu, também, me cansei. Passara mais de meio século sugerindo que se prescindisse de inventar paliativos para a “crise educacional” e se concebesse uma nova construção social.
O meu amigo Adelino dizia não acreditar que tal intenção se concretizasse. Dizia ser impossível ultrapassar os obstáculos colocados pela burocracia. Mas, de Mogi, a Professora Fábia enviava esperançosas palavras:
“Quanto mais escuto o que se diz sobre comunidades de aprendizagem, mais me identifico com o projeto. Já fizemos a árvore dos valores, escutamos as crianças e os pais”.
E a Lisoneide da Barra do Garças acrescentava:
“Cada dia é mais um tijolinho, numa construção em conjunto”.
Como vedes, o ceticismo do amigo Adelino talvez não se justificasse.
Pelo agosto de vinte e dois, fui aprender a praticar Darcy com a Fábia, o Wander, a Ana, a Tina, a Lisoneide e a Zizi. Depois, regressei a Freire, à “Pedagogia da Esperança” e às “Cartas a Cristina”. Reli tudo o que “saía fora da caixa”, desde o Krishnamurti às biografias de Francisco de Assis, do Maturana ao Morin, do Agostinho ao Papert, do Lauro ao Flexa, do Anísio ao Darcy, que “fracassara em tudo”.
Se o Darcy não conseguira, nós iríamos conseguir?
Por: José Pacheco