Pompeia, 11 de novembro de 2042
Retomemos a narrativa do Rui e da Ariana:
“Naquela escola, e pese a visibilidade pública que assumem os dispositivos de gestão do quotidiano escolar (a Assembleia de Escola, a caixinha dos segredos ou, entre outros, o quadro dos direitos e dos deveres), é através da articulação entre tais dispositivos e o modo como se encontra organizado o espaço e o tempo da aprendizagem dos alunos que aqueles propósitos e aquelas práticas se revelam.
Um espaço e um tempo de aprendizagem em cuja gestão os alunos participam, que visa assegurar que estes possam desenvolver uma relação singular e significativa com o saber que se valoriza no âmbito da educação escolar, condição para deliberadamente se promover as relações de cooperação e de partilha que permitem que, também por esta via, o ato de aprender possa constituir uma oportunidade de formação pessoal e social, contribuindo para transformar o contexto escolar num contexto de afirmação de uma cidadania de carácter democrático.”
Não é, contudo, sobre os dispositivos potenciadores da aprendizagem da Escola da Ponte que importa refletir, mas sobre o que esses dispositivos nos podem revelar acerca de algumas das dicotomias que bloqueiam a reflexão sobre os sentidos e as finalidades da educação escolar e, subsequentemente, sobre o modo de promover projetos de intervenção educativa neste âmbito.
A oposição alunos-professores, a oposição entre o ato de ensinar e o ato de aprender, a oposição entre o saber do quotidiano e o património cultural ou a oposição entre a exigência académica e a inclusão escolar são algumas das clivagens em torno das quais se estabelece uma discussão que, apesar de estéril, tem vindo a configurar um número significativo de discursos sobre a Escola e a sua importância educativa. Para os que se situam no campo conservador, todos os problemas vividos no seio dos contextos escolares, na atualidade, decorreriam, assim, da subvalorização da ação dos professores e do ato de ensinar, opção que, na sua opinião, conduziu à crescente falta de qualidade educativa das escolas. Aqueles que perfilham de uma perspectiva voluntarista de recusa dos pressupostos e das práticas inerentes ao conservadorismo pedagógico tendem, por seu turno, a construir uma representação excessivamente vitalista do ato de aprender e da importância da experiência dos sujeitos neste âmbito.
É perante este cenário que a Escola da Ponte pode constituir um ponto de referência de uma reflexão tão urgente quanto necessária acerca das condições pedagógicas a respeitar para que se possa definir uma escola como um contexto educativo democrático.”
O Rui e a Ariana contribuíram para que a Ponte não se transformasse num mito. Eu os secundei, não permitindo que dela fizessem uma “fôrma”, um modelo a replicar. A Ponte foi um ícone, inspiração para milhares de educadores.
A Escola da Ponte era, verdadeiramente, uma escola pública e democrática. Mas não poderia ser utilizada como uma espécie de fôrma. Poderia ser sensível à mensagem do meu amigo Paulo César:
“Quando um dia tivermos uma escola dedicada a descobrir o que cada um faz melhor e com mais vontade, sem promover falsas hierarquias em relação ao que se estuda e como se estuda, estou certo de que os quadros de honra e os diplomas de mérito deixarão de existir.”
Sempre que me pediam para fazer uma “Escola da Ponte no Brasil”, eu respondia ser algo impossível. A Ponte nascera num tempo e lugar específico. Embora, como ireis ver mais adiante, tenha mudado de lugar em tempos sombrios.
Ficai atentos às próximas cartinhas.
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