Ordem da Lapa, 24 de outubro de 2042
Cheguei ao Porto no dia de aniversário do vosso pai. Sei que já estais em Tavira. Para lá irei, no comboio das sete. Levo-lhe de presente um tinto do Cartaxo. Vou ajudá-lo a acender sessenta e seis velas, bebendo um copo, celebrando a vida.
Há uns trinta anos, a avó Fátima assim descrevia o nascimento do vosso pai:
“Trovejava e chovia, e o moço teimava em não sair.
José observava a confusão e apercebia-se da preocupação do médico e das enfermeiras. Sem saber o que fazer, segurava a mão da Maria, enquanto murmurava palavras de acalmar.
Ali estava o presépio, sem vaquinha, nem burro, mas com um Menino, que quando saiu, não respirava.
Salpicado de sangue, José se retirou, chorando uma vida perdida.
Só o nosso filho não chorava. Foi banhado em água quente, em água fria, levou umas palmadas… e eis que um gemido se fez ouvir. O menino estava vivo. Nasceu pouco depois das dezoito.
Os pastores e os reis magos da família correram para ver o recém-nascido. José os acompanhou, chorando. Mas, agora, de emoção.”
Decorridos alguns meses, a vossa avó regressou ao trabalho. O vosso pai ficava entregue aos cuidados da Maria das Dores e umas idas até à Ponte. Apanhou tanto pó de giz, que acabou… professor. Aliás, um excelente professor de matemática e ótimo gestor, um bom homem. Muitas vezes afirmei que, quando fosse grande, queria ser como ele. Velho e acabado, continuo convencido de que o filho saiu melhor pessoa do que o pai.
Tive uma vida boa e não me preocupo em partir, por saber que o André herdou da sua mãe (e, talvez, de mim) o saber viver uma vida digna. Por ser um bom filho, o filho que desejei ter, lhe ofereço – para além da pinga do Cartaxo – um textinho do Papa Francisco, que encontrei no baú das velharias, junto da sua primeira fotografia. Fala-nos da busca por uma definição de vida feliz.
“Você pode ter defeitos, ser ansioso, e viver alguma vez irritado, mas não esqueça que a sua vida é a maior empresa do mundo. Só você pode impedir que vá em declínio.
Muitos lhe apreciam, lhe admiram e o amam. Gostaria que lembrasse que ser feliz não é ter um céu sem tempestade, uma estrada sem acidentes, trabalho sem cansaço, relações sem deceções. Ser feliz é achar a força no perdão, segurança no palco do medo, amor na discórdia.
Ser feliz não é só celebrar os sucessos, mas aprender lições dos fracassos. Não é só sentir-se feliz com os aplausos, mas ser feliz no anonimato.
Ser feliz é reconhecer que vale a pena viver a vida, apesar de todos os desafios, incompreensões, períodos de crise (…) Ser feliz, não é ter medo dos próprios sentimentos. É saber falar de si. É ter coragem de ouvir um “não”. É sentir-se seguro ao receber uma crítica, mesmo que injusta. É beijar os filhos, mimar os pais, viver momentos poéticos com os amigos, mesmo quando nos magoam.
Ser feliz é deixar viver a criatura que vive em cada um de nós, livre, alegre e simples. É ter maturidade para poder dizer: “errei”. É ter a coragem de dizer: “perdão”. É ter a sensibilidade para dizer: “eu preciso de você”. É ter a capacidade de dizer: “te amo”.
Quando errar, recomece tudo do início. Pois somente assim será apaixonado pela vida. Descobrirá que ser feliz não é ter uma vida perfeita. Mas usar as lágrimas para irrigar a tolerância. Utilizar as perdas para treinar a paciência. Usar os erros para esculpir a serenidade. Utilizar a dor para lapidar o prazer. Utilizar os obstáculos para abrir janelas de inteligência. Nunca desista.
Que a tua vida se torne um jardim de oportunidades para ser feliz…
Nunca renuncie às pessoas que o amam. Nunca renuncie à felicidade, pois a vida é um espetáculo incrível”.