Palestina do Norte, 7 de janeiro de 2043
Netos queridos, na cartinha de ontem, vos falei dos dias cinzentos, que se seguiram à clara manhã do primeiro de janeiro de vinte e dois. O novo governo enfrentava dificuldades sem fim. E reminiscências de tempos sombrios se faziam sentir no campo da educação.
O Relatório do Grupo de Transição enfatizava “os ataques às universidades” cometidos pelo governo anterior, embora não tivessem sido o que de mais grave o desgoverno cessante fizera. Nem o tinham sido os “retrocessos normativos”, pois se mantiveram fundamentados em critérios de natureza administrativa, quando deveriam obedecer a critérios de natureza científica.
Como vos disse, o novo MEC funcionava segundo um velho estilo, no pressuposto de que a educação melhoraria com a luz de um “farol” e a generosidade de institutos e empresas. A essa mágica dupla se juntava a “ajuda da universidade”, de uma “universidade em xeque” (título de um artigo publicado no início de janeiro):
“O ensino superior precisa se reinventar (…) há uma questão de fundo que não pode passar despercebida: o ensino universitário, da forma como está estruturado, parece incapaz de despertar o interesse de uma parcela da juventude (…) que deixa de perceber a universidade como a principal rota para a conquista do emprego. A perspectiva de passar três, quatro ou cinco anos na faculdade, não raro em estruturas engessadas nas quais uma disciplina é pré-requisito para cursar outra, desagrada a muitos jovens.”
Seria essa universidade, aquela que perdera o monopólio do saber e apenas mantinha o da creditação, quem iria “ajudar o ensino básico”? Passemos adiante:
“É essencial ter em mente que as universidades são, por excelência, o lugar onde se faz pesquisa e onde se formam pesquisadores (…) é das universidades que irradia o livre pensar.”
Este último excerto era um despropósito. Como se a pesquisa não fosse apanágio da primeira infância e o livre pensar não começasse vinte anos de uma criança nascer!
Reiterando que não generalizo críticas e me refiro apenas ao domínio das ciências da educação, poderei afirmar que foi na universidade que vi o maior cerceamento do livre pensar e a subordinação ao pensamento de outrem.
Quanto a pesquisa, foi na escola básica de recorte antropogógico que assisti a atividades de pesquisa que não se confundiam com acadêmicos alinhavos de citações de citações. Mas, vejamos a conclusão do artigo:
“A universidade não pode ser refém do academicismo, isto é, deve ter a capacidade de perceber o que está acontecendo na vida das pessoas comuns.”
O articulista talvez tivesse lido o que Agostinho escrevera, em meados dos anos sessenta:
“A Universidade brasileira não pode importar modelos que se prendam a outras economias e a estádios de desenvolvimento e de educação, que não são os seus. A missão essencial do Brasil é pensar qual a missão desse homem no mundo; problema em que não [se] está pensando”.
Há uns trinta anos, estive na Stanford University e em escolas que diziam seguir ensinamentos dessa e de outras instituições de ensino “superior”. Levaram-me até uma escola do “inferior”, para que visse uma “inovação” recente, obra de uma doutoranda.
A senhora começou a aula, lembrando aos seus alunos a dita “inovação”. Na lousa digital surgiu um dístico contendo duas expressões: “I need help / I can help”. Sorridente, a doutoranda disse ir incluir na sua tese aquela “inovação”.
O que aconteceria, se eu lhe dissesse que o “Preciso de Ajuda” e o “Posso Ajudar” constavam do complexo sistema de dispositivos pedagógicos da Ponte… há décadas?
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