Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MCXXV)

Monteiro Lobato, 24 de janeiro de 2043

Quando alguém considerava que uma fala minha pudesse ser útil, eu ia ao encontro de educadores, em congressos, seminários, ações de formação. E já sabia que me iriam fazer a pergunta “sacramental”:

“O senhor trouxe o power point da sua apresentação?”

Eu explicava que não utilizava power point e logo vinha a segunda pergunta:

“Mas, então, o que é o senhor vai dizer na palestra?”

“Não sei. Ainda ninguém me perguntou o que quer que fosse.”

Perguntava o que desejavam saber. Escutava. Dialogava. No final da fala, convidava à mudança. O convite era feito ao jeito de uma “tarefa de casa”, era feito de sete perguntas. Lançava a primeira:

Por que aprendemos?

Convidava a procurar o motivo por que uma criança aprendia a andar, a falar.

O que precisamos aprender?

Para que se procurasse saber quais seriam as aprendizagens essenciais.

Quando aprendemos?

Colocava como hipótese que talvez fosse a partir do surgimento dos primeiros neurônios-espelho, e até morrer.

Onde aprendemos?

Sugeria que talvez fosse possível trocar o consumo de currículo servido em livro didático pela produção de currículo, através da pesquisa, num centro cultural, numa biblioteca, numa floresta e até mesmo num edifício a que davam o nome de “escola”.

Com o quê e com quem aprendemos?

Provavelmente, com acesso à informação e contando com a mediação de um educador.

Como aprendemos?

As teorias da aprendizagem estavam à mão de semear, falavam de aprendizagem significativa, de educação integral. E eu deixava pistas, nomes de autores, para que fossem pesquisá-los

Como sabemos que aprendemos?

Talvez produzindo conhecimento, reunindo “evidências de aprendizagem” num portfólio digital. E lembrava aos educadores que a avaliação deveria ser formativa, contínua e sistemática.

Se algum educador decidisse modificar a sua prática, de modo a conseguir que todos os alunos aprendessem, alertava-o para os sete obstáculos, que iria encontrar.

O primeiro obstáculo era eu. Era ele. Era a nossa cultura profissional, que urgia transformar.

O segundo obstáculo se configurava nas famílias e numa sociedade doente, que “achava que a escola deveria ser como sempre foi” ignorando que nem sempre fora assim.

O terceiro consistia na reação dos alunos, sobretudo universitários viciados em práticas de sala de aula, apenas desejosos de obter um diploma.

O quarto obstáculo decorria da formação inicial e continuada, que teoricamente propunha mudança, mas reproduzia um modelo educacional herdado da primeira revolução industrial.

O quinto, lideranças tóxicas que, da administração à direção das escolas, impunham práticas instrucionistas, através de normativos de cariz técnico-instrumental.

As nefastas intervenções dos áulicos, uma escumalha constituída por “doutores” saídos das catacumbas da educação do século XIX, se constituía em sexto obstáculo.

O sétimo obstáculo era aquele que eu considerava mais doloroso de aceitar – o maior aliado de um professor era outro professor, e o maior inimigo do professor que ousava fazer diferente era… outro professor.

Sete perguntas, sete obstáculos e sete modos de os ultrapassar. Bastaria invocar os pilares da educação da UNESCO e juntar-lhe mais três: aprender a conhecer, a fazer, a conviver, a ser, a desobedecer, a reaprender e a desaparecer.

Para não me estender nesta cartinha, somente vos direi que o último dos pilares se mostrou o mais difícil. Sabia que a solidariedade deveria andar a par com o desprendimento, com o dom do desapego. Mas, como foi difícil “desprender-me”, “desapegar-me”!

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