Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MCLI)

Magé, 19 de fevereiro de 2043

Diz o Eclesiastes que há um tempo para cada coisa. E o Bob o citou, a par de outras canções do tempo em que eu partilhava o sonho do Make Love, Not War. 

No ano em que o Bob compôs “The Times They Are A-Changin”, decidi abandonar a profissão de montador eletricista, de me desviar de uma carreira de engenharia, para vir a ser professor. 

Processo lento e controverso, pois também se tratava de trocar um salário chorudo por um salário de miséria, de passar por dificuldades financeiras. Aliás, os maridos das professoras desse tempo diziam que as suas esposas eram professoras para “ganharem prós alfinetes”. Diziam que o salário do marido é que sustentava a casa. E, se a professoras se apaixonassem por um pé-rapado, o Salazar as proibia de casar-se com um pretendente que “não tinha onde cair”.

Os Bob anunciava que os tempos estavam mudando:

“Venham, escritores e críticos, que profetizam com suas canetas / E mantenham seus olhos abertos, a chance não virá novamente / Venham, senadores, deputados, por favor, escutem o apelo / Sua antiga tradição está rapidamente envelhecendo / Venham, mães e pais / E não critiquem o que vocês não conseguem entender.”

A minha geração foi uma geração perdida, dizimada nas guerras da Guiné e do Vietnam, assassinada pelo LSD, aburguesada, capitalizada. O suicídio da Janis e do Jim marcaram o fim de um tempo. Caí no mundo desamparado, enojado de um vil metal, que levou o meu pai (inocente) à prisão, nutrindo profundo asco pelo dinheiro que, escasseando, viria a matar a minha mãe de exaustão de mil noites de agulha e dedal. 

Como cantava o Bob, os tempos estavam mudando. A Ditadura caía de podre, a guerra na África era insustentável. A minha geração quis tomar o seu futuro em suas mãos. Me juntei à galera. 

Os tempos estavam mudando e, volvido meio século, aceitei participar da milésima tentativa de mudança. Uma secretaria de educação me propôs “Praticar Darcy”. Acreditei na intenção. E fui ajudar a fazer a primeira comunidade de educação.

Acreditava não ter de defrontar dificuldades, que já as tinha erradicado em anteriores projetos. Porém, “alguém” semeou equívocos. E tive de recorrer ao que restava da minha paciência, para contornar obstáculos.

Os tempos estavam mudando. Só a Escola não viu. E se mantinha cativa de velhos vícios.

Não por uma via reformadora de um sistema, mas apostando na sua gradual substituição, prosseguíamos na construção de um protótipo de comunidade. estávamos a um passo de, finalmente, fazer Escola Pública. Faltava o ato administrativo da publicação da criação da escola-comunidade.

No nosso círculo de aprendizagem, se produzia aprendizagem autoral, como recomendava Mestre Pedro:

“Aula não precisa sequer ser combatida, porque vai esvaindo-se por si, por pura inutilidade. Sai o auleiro distanciado, entra o mediador solícito. 

Todos na escola e no entorno da escola são concitados a cuidar da aprendizagem dos estudantes, o que redunda em outra ideia fundamental: comunidade de aprendizagem.” 

Na terceira semana do processo formativo de vinte e três, o círculo de aprendizagem procedeu a um primeiro levantamento de necessidades, desejos e problemas locais. Mapeou locais e pessoas com potencial educativo. Estabeleceu parcerias. Elaborou protocolos de cooperação. Preparou roteiros de estudo. 

O protótipo estava pronto para “ser mostrado”, para acolher professores, que vivenciariam uma prática efetivamente inovadora, no convívio com crianças e adultos envolvidos em projetos de vida.

Estávamos prontos para partilhar. Só faltava publicar um normativo.

 

Por: José Pacheco

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