Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MCLVI)

Rio Pomba, 24 de fevereiro de 2043

Nos idos de vinte, o vosso avô já levava mais de meio século de ajudar a conceber projetos. O primeiro aconteceu na Ilha dos Tigres e, tal como os restantes, envolveu adultos e crianças da comunidade. Aquele que considero mais relevante foi o das “Colónias de Férias”, um exercício de solidariedade, que assomou à minha memória, a memória de um tempo de criação de laços, que nos levaria até à celebração do primeiro contrato de autonomia entre uma escola e um ministério. 

Um dia, talvez vos conte essa estória. Por agora, voltemos aos ensinamentos do meu Mestre, zurzindo no malfadado instrucionismo.

“Socialmente, aprendizagem implica tecer coletivamente processos de autorias rivais e complementares, através das quais pessoas e sociedades podem tomar, até onde possível, o destino em suas mãos. 

Damos a este fenômeno o nome de “emancipação”, em geral reconhecido como bem-posto em Paulo Freire, em particular, na “pedagogia da autonomia”.

Volto-me para o cuidado que o Pacheco tem com a autonomia da escola, uma propriedade em geral inviável entre nós, porque a burocracia controla tudo.

Cabe lembrar que, uma vez consolidada a exigência de que todos os docentes precisavam de mestrado na Finlândia, uma das consequências foi eliminar a supervisão escolar. Aceitou-se a ideia de que, estando os professores bem apetrechados, em escolas condizentes, o que cabe ao Estado é definir o resultado esperado, por exemplo que quase todos aprendam bem”.

O amigo Pedro referia-se à Finlândia, a “Meca” dos secretários e ministros das primeiras décadas deste século, destino de turismo educacional. 

Nesse país, as escolas dispunham de autonomia. Mas, certamente, os turistas brasileiros nada entenderam (ou não quiseram entender). Até meados década de trinta, as escolas brasileiras foram mantidas cativas do dever de obediência hierárquica. Artigos da Lei de Bases como o 12º, o 13º, o 15º, o 23º e outros continuaram letra morta.

“No espaço da política educacional, as universidades (em especial as federais) são “autônomas”, em geral ciosamente. Escolas não, mesmo sendo entidades estaduais ou municipais (há algumas federais também, como escolas de aplicação).

Muitas escolas possuem diretores indicados e ainda é traço forte que, chegando novo Governador ou Prefeito, apaga-se o que havia antes, começando do zero, outra vez. Isto reflete um atraso republicano e democrático pesadíssimo, no sentido de que ainda não nos livramos do patrimonialismo político.

Na prática, não temos um projeto de país, mas a ocupação partidária (não por ideologia marcada, mas na mera luta por poder), de tal sorte, que continuidade governamental é praticamente inviável.

No meio desse tumulto surgiu a “escola sem partido”, uma excrescência típica de exacerbação partidária, num diálogo de surdos.

Uma escola “neutra” não existe, nem deveria existir, porque cidadania implica ter posição, não ter necessariamente esta ou aquela, mas a posição que o estudante, sob orientação, não doutrinação docente, consegue desenvolver e sustentar.

“Escola sem partido” não é aquela que não tem partido, mas aquela que se atrela ao “pensamento único”, à ideologia do mercado liberal, considerada acima de qualquer suspeita, a própria “ordem das coisas”.

Autonomia da escola significa, então, que os professores precisam ter liberdade de expressão, não para impor suas ideologias, mas para questionar a todas, deixando ao estudante a condição mais esclarecida possível de decidir.”

Em suma: ao invés de uma escola monocolor, uma escola arco-íris.

 

Por: José Pacheco

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