Brasília, 27 de fevereiro de 2043
Eis-me regressado, ainda que por tempo escasso, a um lugar bem familiar. Vim à capital a convite de amigos, para dialogar sobre inovação. E para preparar um breve regresso à Brasília do Niemeyer, do Darcy e do Mestre Pedro.
Ainda hoje, deparamos com práticas engendradas na Prússia do século XVIII. Embora residuais, são nefastas e motivo para que vos proponha ficar na companhia do Mestre Pedro, escutando a sua crítica das absurdas segmentações cartesianas dos idos de vinte.
“O ensino fundamental ainda tem “dois ciclos”, que chamamos de anos iniciais (dos pedagogos) e anos finais (dos licenciados). A distinção é marcante, sobretudo em seus efeitos, kafkianos.
Nos anos iniciais, o desempenho é bem superior, ainda que não satisfatório. Tomando o caso de Sobral, com o maior Ideb nacional em 2015, o aprendizado adequado de matemática nos anos iniciais, foi de 95% (uma cifra finlandesa, para espanto e incredulidade geral). Mas, nos anos finais, desceu para 60%, numa queda vertiginosa.”
O Mestre Pedro escrevera essas considerações em dois mil e dezoito. Por antecipação, não poupava a neoliberal “sobralização”, que no início de dois mil e vinte e três estava na moda. Para o Mestre Pedro, era “um sistema de ensino imprestável”. No dissipar de tempos sombrios o Mestre desmontava a falácia “sobralista”, que irrompeu no ministério, no início de tempos que poderiam ser transformadores.
“O lado caduco do atual sistema de ensino – que o PNE quer salvar de modo flagrantemente amador – aparece logo no fato de que, ao contrário de como se apregoa em educação para todos os ventos, que é o lugar mais correto para mudança, entre nós é o lugar onde se anda para trás.
Com algum viés de subida nos anos iniciais, nos anos finais e no ensino médio, o panorama é de desastre generalizado, com exceções pontuais. Em matemática é uma tragédia, mesmo num estado como São Paulo. No DF, onde temos a melhor cifra de aprendizado adequado no ensino médio (17.0%), além de ser inaceitável por completo, caiu no tempo de maneira abusada (era de 31.5% em 1995).
Inúmeros são os problemas. Mas a referência crucial e fatal é falta de aprendizagem. Como os dados acima indicam com veemência inaudita – e levando-se em conta que o Ideb não é indicador satisfatório de aprendizagem – o que temos na escola atual é repasse de conteúdo, aula de sobra e prova contínua, um arsenal de armas montadas para uma guerra falsa.
A escola não existe para aprender, mas para se dar aula. Em matemática, a situação beira ao dantesco: um inferno vivo de inaptidão. Mesmo estados mais ricos, em geral com boas universidades, não conseguem desempenhar-se em matemática, como se fosse enigma insuperável aprender.
Apesar de dados estatísticos não serem referências fatais, porque são construtos metodológicos e teóricos e sujeitos a interpretações, podemos retirar deles a inépcia de nosso sistema de ensino, indicando ser necessário tomar outra rota.
Não cabe reformar este disparate, porque estamos enfeitando defunto. Estranho muito que o MEC não se mostre disposto a repensar sua história educacional tão inconsequente – seus próprios dados seriam mais que suficientes para abalar o sistema.
Persiste-se, porém, na mesma trilha, em parte porque não se deseja abandonar a zona de conforto, em parte por apego ideológico a um sistema reprodutivo patrocinado pela universidade.
Em geral, nos bastamos em aclamar feitos quantitativos, como crescimento da matrícula, enquanto descuramos a qualidade dos resultados, que são indizíveis, aberrantes.”
Assim falava Mestre Pedro.
Por: José Pacheco
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