Aeroporto Santos Dumont, 9 de março de 2043
No mês de março de há vinte anos, a Nasa divulgou a descoberta de um asteroide e alertava para o risco de atingir a Terra em 2046.
O Serviço de Administração Nacional da Aeronáutica e Espaço do governo norte-americano indica que há chance de o asteroide colidir com o planeta em 14 de fevereiro de 2046, o que significa que, daqui a três anos, poderá acontecer-nos o que aconteceu com os dinossauros. E tudo aquilo que, porfiadamente, tentamos alcançar deixará de fazer sentido. Todas as causas, todos os idealismos, todos os projetos humanos se dissiparão numa fração de segundo. Inclusive, as questiúnculas em torno das ciências da educação.
Porém, enquanto os cientistas tentam desviar o asteroide da rota mortal, vos continuarei a contar estórias do tempo da CONANE.
Ontem, a propósito da comemoração do Dia Internacional da Mulher, eu dizia que o evidente… mente. Este trocadilho foi usado pelo amigo António, num dos seus livros, no tempo da pós-verdade. Nos idos de vinte, o que era “evidente” mentia. Ou, como diria o amigo Rui, quando se analisa um rolde necessidades que o sistema engendra, deveremos tentar perceber quais as necessidades que estão por detrás das necessidades enunciadas.
“Temos que sair da sala de aula!” – assim falava o amigo António Nóvoa, que um jornal referia como “referência global em educação, reitor honorário da Universidade de Lisboa, ex-embaixador da Unesco e com outros encômios mais do que justos.
A notícia dava conta de uma palestra sobre o papel da escola no ensino do futuro, tema que o António tratara num livrinho chamado “Escolas e Professores: Proteger, Transformar, Valorizar”.
Para o António, doutor em Ciências da Educação e História, doutor honoris causa em instituições de diferentes partes do mundo, nenhum desses títulos era tão importante como o de professor. Nas décadas de oitenta e noventa, e, depois, no Brasil do início deste século, acompanhei a sua saga de anunciador de uma educação de novo tempo.
Recordo-me, em particular, de uma conversa que tivemos com alunos da Universidade de Brasília, lado a lado, junto ao Quiosque do Chiquinho, questionando uma universidade que ainda “dava aula”.
Numa entrevista, Nóvoa defendia que o lugar dos alunos não era mais em sala de aula, que a escola deveria passar por uma metamorfose que envolvia a criação de novos ambientes educativos. Então, sendo o António considerado uma das maiores referências pela universidade desse tempo, por que seria que a universidade (e, em particular, nos cursos de ciências da educação) continuava “dando aula”?
Conheci o António na Universidade do Porto, quando cursava o primeiro curso de ciências da educação. Ele havia publicado a obra “Le Temps des professeurs”, que eu li e reli no original (ou não fora ter-me apaixonado pela professora de francês…). Estávamos na década de oitenta, uma década após os meus embates com a burocracia ministerial.
“Temos que sair da sala de aula”, defendia António Nóvoa, “referência global em educação” – Assim mesmo! Com todas as letras.
Volvidos cinquenta anos após as minhas quezílias com a burocracia ministerial, após meio século de ter deixado de trabalhar em sala de aula, o ex-embaixador da Unesco pregava mudança radical envolvendo a estrutura de ensino.
Nos idos de vinte e três, o amigo Nóvoa emitia um apelo, no sul do Brasil: “Queremos que o aluno trabalhe. E a sala de aula é feita para o professor trabalhar”.
Mas, parecia que o amigo Nóvoa falava chinês e escrevia em Braille.
Nos auditórios onde proferia palestras, os “ouvintes” seriam surdos?
Por: José Pacheco
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