Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MCLXXI)

Universidade de Brasília, 12 de março de 2043

Já não via a Kátia desde o tempo em que era secretária municipal de educação. recordo-me de um encontro, em Manaus. Estive ali, a pedido de pais de crianças atentos aos malefícios de um sistema de ensinagem feito de salas de aula e burocracia. Recordo-me de lhe ter oferecido os meus préstimos – trabalho gratuito e sem financiamento – que propiciariam às crianças de Manaus uma educação de boa qualidade. 

Voltei a encontrá-la, no último dia da CONANE da Esperança, já na qualidade de Secretária da Educação Básica. No seu discurso, expôs a situação herdada de quatro anos de desgoverno, queixou-se de “fogo amigo” e falou de “ensino médio”, de “sala de aula” e de outros inúteis artefatos do sistema de ensinagem. 

 

Finda a palestra, me inscrevi no breve período de pergunta e resposta. Inscrevi-me, mas não fui contemplado. Talvez o meu questionamento fosse considerado desimportante. 

Privado da fala, optei por lhe enviar uma cartinha. No fundo do baú das velharias a encontrei e vo-la dou a ler.

Prezada Kátia, sê bem-vinda à CONANE. Venho falar-te de “fogo amigo” e de um faz-de-conta feito de índices de decoreba. Também farei três perguntas, que não me deixaram fazer. 

Estamos reunidos em solo sagrado, na Universidade sonhada por Darcy Ribeiro.

Foi aqui que, há mais de meio século, Darcy se juntou a Agostinho, um português exilado pela Ditadura de Salazar, autor da seguinte frase:

“Portugal desembarcou na África, na Ásia e na América. Só falta Portugal desembarcar em Portugal.”

O grande Lauro de Oliveira Lima, cearense de Limoeiro, com quem convivi na sua casa do Rio de Janeiro, confirmou a agostiniana profecia, na sua obra “Educação do Futuro”, mostrando que o futuro da Educação está no sul. 

Isso mesmo, prezada Kátia, a Nova Educação não virá da Finlândia, nem dos Estados Unidos. Não tarda, a nova Educação, que está a nascer no Sul irá “desembarcar” no Norte, sem resquícios de colonialismo, isenta da exploração do Homem pelo Homem. Uma Nova Educação radicada em culturas pré-colombianas, presente na antropogogia dos povos originários, latente na cultura quilombola, que nos diz ser necessária uma tribo inteira para educar uma criança, isto é: que a educação deve acontecer em comunidade. 

Será uma Nova Educação pautada na solidariedade e numa autonomia, que opera o milagre da sobrevivência do povo das favelas, onde vivem 75% dos alunos brasileiros. Uma Nova Educação plasmada num caldo cultural pleno de criatividade, composto de múltiplas origens (portugueses, alemães, italianos, japoneses, de judeus e árabes, de russos e ucranianos que não fazem guerra…).

Urge conceber alternativas para uma Nova Educação – o mote da CONANE – uma Nova Construção Social de Aprendizagem e Educação, mote do Terceiro Manifesto. Urge transitar de práticas instrucionistas para práticas propostas pelo Anísio escolanovista, juntando-lhe contribuições do paradigma da comunicação. 

A CONANE busca conceber: “uma educação verdadeiramente transformadora, democrática e emancipatória” (sic). Por isso, te pergunto:

Se António Nóvoa recomenda a extinção da sala de aula, será possível conceber uma educação transformadora, se iniciativas de política pública não obedecerem a critérios de natureza científica?

Como poderemos aspirar a uma educação democrática, se um modo de pensar e de agir se furtar ao diálogo com outros modos de pensar e de agir?

E cadê a educação emancipatória, quando os projetos de um pensar e agir diferente do teu ficam expostos à afronta de uma administração autoritária e sob “fogo amigo”? 

 

Por: José Pacheco

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