Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MCLXXIII)

Rio, 13 de março de 2043

Há cerca de vinte anos, levado pelo meu amigo Rubem Alves, aportei a terras do sul. Logo após os primeiros trabalhos em chão de escola, despi-me do meu etnocentrismo europeu e fui aprender o Brasil da Educação do Futuro. 

Convivi com xavantes, tupinambás, pataxós. Fui aprender brasilidade nos quilombos e nas favelas e, porque o Brasil não é para amadores, fui até Caetité, à casa do Anísio, o Mestre escolanovista assassinado por querer fazer da Escola um berço de cidadania. Ontem, foram passados 52 anos sobre o seu desaparecimento. 

No regresso da CONANE da Esperança, vim mais desesperançado. Fiquei com a impressão de que os educadores brasileiros e, em particular, os seus dirigentes, ou não tinham lido as obras do Anísio, ou ajudavam a matar a sua memória, a sua segunda morte, como escrevi numa outra cartinha. E eu temia que viéssemos a perder mais quatro anos de oportunidades.

A Escola Berço de Cidadania sonhada por Anísio viria a afirmar-se somente no final da década de vinte, quando os projetos iniciados com os encontros das manhãs de sábado assumiram estatuto de autonomia.

A “educação emancipatória” prometida pelo MEC se concretizaria, quando se cumprisse o estipulado no artigo 15º da LDBEN e na Meta 19 do PME. Por isso, nos encontros de sábado, recomendei que fossem entregues às direções das escolas, às secretarias de educação (às direções dos agrupamentos, em Portugal) minutas de termos de autonomia (contratos, em Portugal).

Aqueles projetos que o não fizeram se perderam pelo caminho.

Naquele tempo, quase todos os movimentos e organizações da sociedade civil desenvolviam projetos importados, projetos paliativos, sorvedouros de recursos, quase todos concebidos na tradição neoliberal, e que apenas contribuíram para prolongar a agonia de um sistema excludente e corrupto. 

A concorrência era desleal. Esses projetos eram generosamente financiados por empresas e fundações. De um lado o faz-de-conta reformista; de outro, projetos de mudança com elevado potencial inovador, que lutavam para sobreviver financeiramente. O sistema de ensino hierárquico, autoritário, moral e intelectualmente corrupto se perenizava através de uma neocolonização vinda do Norte. 

Se, na Pedagogia da Esperança, Freire escrevera que o educador brasileiro não deveria nortear a sua reflexão e que deveria suliar a sua práxis, a realidade o contradizia. 

Em 2013, o Ministério da Educação se fizera representar na primeira das CONANE. A minha amiga Jaqueline Moll recebeu das mãos das nossas crianças o Terceiro Manifesto da Educação Brasileira. Esse Manifesto dizia ser necessária uma Nova Construção Social, que substituísse a velha construção prussiana, fundada em sala de aula.

No ano seguinte, o ministro Renato Janine criou o Grupo de Trabalho da Criatividade e Inovação. Foram identificados 178 projetos com potencial inovador. Dez anos decorridos, a maioria desses projetos fora destruída ou neutralizada, confirmando o dito do Darcy: “A crise da educação brasileira não é uma crise, é um projeto”.

Tornava-se difícil suster o ciclo vicioso da reprodução escolar e social, o ciclo vicioso contrastante com uma frase atribuída a Freire, mas que terá sido dito pelo amigo Brandão: “A Educação não muda a Sociedade. A Educação muda as pessoas. As pessoas mudam a Sociedade”. 

Pois é! Em teoria, tudo é muito fácil. Certo é que se a Sociedade não mudava a Educação, a Educação não mudava as pessoas. E as pessoas não mudavam a Sociedade. E a Sociedade (leia-se “ministério”) não mudava a Escola. E a Escola não mudava as pessoas. E…

 

Por: José Pacheco

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