Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MCLXXVI)

Lagoa de Saquarema, 17 de março de 2043

Na “Pedagogia do Oprimido”, Paulo Freire já nos falava da necessária ruptura com o “pensamento sectário” e propunha a “construção do pensamento radical”. Na oposição entre essas formas de ser e de se colocar no mundo, a “conscientização” se assumia como processo radical – “todas as pessoas importam”. 

A ética do cuidado, o bem de todos sempre esteve presente na práxis de Anísio, Lauro, Nilde, Nise, Darcy, Freire e tantos outros insignes mestres, visando a instauração de uma verdadeira Escola Pública, aquela que fora anunciada em manifestos: o “Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova” (em 1932), o “Mais uma Vez Convocados” (de 1959), o “Terceiro Manifesto da Educação” (de 2013).

Nos idos de vinte e três, os manifestos continuavam sendo letra morta. Um poder público autoritário continuava a impor regaras absurdas. Muitos jovens em idade escolar não estavam matriculados, por alegada “falta de vaga”, e no 3º ano do ensino fundamental, apenas metade dos alunos alcançava a aprendizagem adequada em matemática. No 5º ano, mais de 20% dos alunos estavam com mais de dois anos de defasagem. 

No março de vinte e três, eu encontrei turmas de quarto ano totalmente constituídas por alunos analfabetos. O nível de proficiência em língua portuguesa e em matemática (percentual de alunos com plenas condições de compreender e se expressar) era baixíssimo. E o IDEB era miserável. No final do “médio, não passava do 4 ou do 5, numa escala de 10 pontos. 

Mais uma farsa descomunal estava montada, mais um distrator fora criado para desviar a atenção do essencial. No mês de março de há vinte anos, a distração consistia em revogar ou não revogar a proposta do “Novo Ensino Médio”, mais uma aberração a juntar a tantas outras em que a atividade da administração educacional era pródiga.

Os argumentos eram os de sempre:

“Como é pequena a quantidade de aulas das disciplinas dos itinerários, um mesmo profissional chega a receber a tarefa de ministrar aulas de até 10 disciplinas diferentes por semana, inclusive para as mesmas turmas. Os alunos de uma mesma turma sequer sabem qual é a disciplina que o professor ministra em determinado momento. Imagine a jornada deste professor: 10 aulas diferentes para preparar, 10 planos de aula, 10 formas de avaliar etc.

Os professores que têm licenciatura e dão aulas nas redes fogem o quanto podem dessas disciplinas dos itinerários, preferindo dar aulas dos assuntos que estudaram. Esses profissionais têm implorado por material e formação aos diretores de escola para seguirem com as aulas.

Os diretores estão há meses tentando atribuir aulas dessas disciplinas, sem sucesso. Muitos profissionais aceitam pegá-las e desistem quando entendem o que é para fazer na prática. No ano passado, em agosto, quase 30% dessas aulas ainda estavam sem professor, na rede estadual paulista.”

“Atribuir aulas”, “planos de aula”, “turmas”, enfim! De um lado, mais uma aberração normativa, que viria a ser jogada no caixote do lixo da história da educação e a contestação de um absurdo. Do outro, um ministério “sobralista”, agindo como “um cego no meio de um tiroteio”, enredado numa polêmica estéril. 

O que seria essa coisa de “ensino médio”? Por que havia “ensino médio”? Por que deveria haver ensino “fundamental”, “superior” ou “inferior”?

Olhos questionadores não encontravam nos livros das ciências da educação qualquer fundamentação para que houvesse “ensino médio”, mas havia quem “achasse” que deveria haver. 

Queridos netos, sabeis quem se dignou responder a estas perguntas, sem “achismos”? 

Ninguém! 

 

Por: José Pacheco

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