Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MCXCVII)

Niterói, 7 de abril de 2043

Na introdução a umas cartinhas enviadas para o além, arrisquei explicar o “porquê” de as ter redigido. 

Talvez devido à minha origem – as chamadas “ciências exatas” – dava por mim a usar metáforas da Física. Por exemplo, o conceito de inércia: perante os trágicos efeitos das suas práticas os professores não as mudavam. Ou o conceito de resiliência: por que razão alguns mudavam, apesar dos imensos obstáculos com que deparavam? Que estranha energia os animava? Se a maioria cultivava a “resistência à mudança” – conceito caro às ciências da educação – por que acontecia a mudança de alguns?

Em 1905, o físico Einstein criou uma fórmula: e=mc². Ensaiei a sua adaptação, dado que a pedagogia também vinha adotando conceitos da Física. E assim ficou a equação adaptada:

“A energia (e) de alguns é resultante de uma mudança (m) operada por contágio (c) combinado com um determinado contexto (c).”

Isso mesmo! A mudança acontecia pelo exemplo dos educadores, numa práxis coerente com os valores dos seus projetos. Acontecia, quando esse contágio se associava ao contexto, no qual a educação poderia e deveria acontecer, isto é: a comunidade. 

Há, mais ou menos, um quarto de século, enviei uma carta para o Mestre Lauro, para que ele confirmasse o que havia escrito:

“A expressão escola de comunidade procura significar o desenquistamento isolacionista da escola tradicional.  Escola, no futuro, será um centro comunitário. 

A escola não se reduzirá a um lugar fixo murado.”

Porque só pergunta quem já sabe a resposta, não esperei que, por esotéricos meios, me chegasse uma mensagem confirmadora. Eu estivera conversando com o Mestre, na sua casa do Recreio dos Bandeirantes, pouco antes de ele partir para junto do Darcy. E ele me dissera que mantinha a definição de comunidade, que formulara trinta anos antes da proposta teórica do Flexa.

Por essa altura, o vosso avô já tinha assistido a mais de quarenta anos de tentativas de reformas e à sua inevitável falência, por não ousarem operar rupturas. Manifestava a perplexidade que levou Einstein a afirmar que insistir no errado era sintoma de loucura. E formulava perguntas consideradas incômodas:

“O que se aprende dentro de um edifício escolar, que não possa ser aprendido fora dos seus muros?

Se, em comunidade, o espaço de aprender é todo o espaço, tanto o universo físico como o virtual, se é a vizinhança fraterna, pergunto:

“Quando se aprende? 

Nas quatro horas diárias de uma escola-motel?

Duzentos dias por ano? 

Que sentido faz uma “idade de corte”, se não existe uma idade para começar a aprender?” 

A todo o momento aprendíamos, desde que a aprendizagem fosse significativa, integradora, diversificada, ativa, socializadora. O tempo de aprender era o tempo de viver, as vinte e quatro horas de cada dia, nos trezentos e sessenta e cinco dias (ou 366) de cada ano, mais seis horas. 

Os “paidagogos” não mais deveriam conduzir crianças para um prédio. deveriam libertá-las da reclusão de um gueto escolar e devolvê-las a uma escola “desenquistada”, nodo de uma rede de aprendizagem colaborativa.

Enquanto a comunicação social fazia eco de discurso de políticos, deslocado de um mundo incerto e em mudança acelerada, nós refletíamos sobre o tempo de aprender. E ensaiávamos uma nova gestão de espaço-tempo. 

Enquanto isso, a maioria dos professores reproduzia práticas fósseis, os teoricistas debatam o sexo dos anjos da pedagogia, os “especialistas” reinventavam a roda da educação, os legalistas publicavam palimpsestos e empresas “especializadas” aplicavam sanguessugas num cadáver adiado.

 

Por: José Pacheco

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