Cachoeira do Sul, 14 de abril de 2043
Este dia de há vinte anos foi pródigo em boas notícias. O amigo Ubiratan apresentava o seu livro; do amigo Bruno recebia esta notícia:
“Com grande alegria, fui selecionado, de entre os Agentes de Mudança Inspirados pela Fé da Ashoka, para receber o Prêmio Soularize. Esse lindo reconhecimento é fruto da um trabalho amoroso em prol de uma nova educação.
Junto com outros amigos e educadores (movidos por essa utopia) damos início, em 2019, à Comunidade de Aprendizagem Escola da Floresta. E, desde lá, temos demonstrado na prática que (Sim!) é possível revolucionar a educação formal e a escola pública.
Mas essa jornada (com toda a resistência de uma ação que desafia os padrões instituídos) só foi possível pela fé que carrego em um mundo de amor e liberdade. Foi essa visão gnóstica de uma espiritualidade livre (que confia na realização da potência humana) que me manteve firme nos dias difíceis.
Agradeço, também, a parceria com a Escola Eliana Bassi de Melo e a Universidade Federal do Pampa, que fizeram desse sonho uma realidade.”
Nesse dia, o Bruno, a Mariana e a Luana viajaram de Caçapava do Sul para Cachoeira do Sul, para a Jornada Nacional de Educação, para a qual eu fora convidado para “palestrar”. A equipe da Escola da Floresta começava a sair do anonimato. A “Educação Humanizada” se mostrava através de um dos seus projetos, na afirmação de valores de um novo tempo, numa brilhante intervenção, dialogando sobre novas construções sociais.
Na sua obra “Urutagwa” Ubiratan conta a lenda tupi de um guerreiro que virou pássaro, no caso, o Urutau ou Mãe-da-lua. Embora discretamente, O amigo Ubiratan invocava uma bela visão de mundo pré-colombiana, que importava atualizar e incorporar na educação brasileira contemporânea. O amigo Bruno concretizava uma visão de mundo feita de “amor e liberdade”.
A alegria sentida não iludiu a dura realidade. Ubiratan e Bruno protagonizavam exceções à regra geral. Por essa razão, nunca me sansei de recordar que, para uma nova Humanidade, seria necessária e possível uma nova educação. E, para uma nova educação, uma nova construção social de aprendizagem.
Os círculos de aprendizagem não surgiam como mais uma quixotesca tentativa de redimir um sistema falido. Eles eram o anúncio de um novo tempo. E, nesse tempo, sendo raros, corriam risco de se transformarem em mais um modismo pedagógico.
Eram escassos os estudos de interpretação e de organização crítica de experiências com essa conotação. Justificar-se-ia o seu estudo como um estudo de “marginalidades”, para que não sucedesse a sua assimilação e descaracterização.
Durante trinta anos, acompanhei, do interior, processos de autoformação em círculo de estudo – estou a lembrar-me do de Maricá – e aferi o discurso de professores pelas suas práticas. Foi-me permitido concluir ser difícil romper uma reflexão sobre a prática cada vez mais viciada por lugares-comuns e uma retórica herdada da formação de modelo académico.
No campo da formação ainda eram escassos os estudos que incidissem em efetivas inovações. O drama dos pesquisadores era o de quem vivia o quotidiano do chão de escola a todo o momento, sem sobrar tempo para fazer registos. E aqueles que estudavam “sobre” as práticas captavam o supérfluo e generalizavam-no.
O drama dos que estavam “dentro” do processo consistia em tudo parecer já ter sido dito pelos especialistas. No irónico contraponto com a realidade, era extremamente difícil assumir a humildade curiosa de quem compreendia que, na formação contínua, não existia ainda um edifício teórico coerente.
Por: José Pacheco
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