Cassange, 15 de abril de 2043
O Complexo Penitenciário da Papuda é um conjunto de presídios situado na região administrativa de São Sebastião, na periferia de Brasília. Há quase trinta anos, o Secretário Estadual de Educação do Distrito Federal me convidou para visitar esse sinistro local. Percorremos a ala dos “jovens infratores”, um corredor feito de celas e de martírios. Dali, fomos para a Unidade de Internação de São Sebastião, onde outros jovens já cumpriam sentença.
No regresso à Secretaria de Educação, o Secretário Júlio pediu-me que elaborasse um projeto para salvar as vidas daqueles jovens, porque era mais do que provável que, cumprida a sentença, eles voltassem para o mundo do crime.
Agradeci a confiança em mim depositada, mas eu estava mais interessado em desenvolver um projeto que evitasse a necessidade de haver prisões, unidades de internação, jovens prisioneiros, assassinatos e… ataques a escolas.
Eu participara em projetos preventivos e me propunha desenvolver um projeto semelhante, que contribuísse para evitar a necessidade de haver prisões como a Papuda e unidades de internação. Isto é: conceber um projeto a montante do sistema, para não haver necessidade de medidas de compensação e correção, a jusante. Assim nascia a ideia da primeira comunidade de aprendizagem do Distrito Federal.
O Júlio foi um bom secretário de educação, sentiu como oportuna e justa a intenção, que me animava. E apoiou a iniciativa de professoras do CEF04 do Paranoá de criar uma comunidade de aprendizagem no Paranoá Parque.
Após várias reuniões, enviei à Secretaria referenciais de um projeto de comunidade e uma minuta de Termo de Autonomia. Numa ata de reunião realizada na Direção Regional de Educação do Paranoá, estão descritos os acordos de instalação da designada “Comunidade de Aprendizagem do Paranoá”, a CAP. Também foram estabelecidas condições de assessoria – o meu trabalho e o da Cláudia decorreria em regime de voluntariado não remunerado.
No mês seguinte, graciosamente, a arquiteta Cláudia elaborou um estudo de adaptação do edifício a novas funcionalidades. Contratamos e pagamos uma funcionária de apoio às ações de formação por nós realizadas, em que participaram centenas de professores do Distrito Federal. Vezes sem conta, fomos reunir na Secretaria. Pacientemente, escutamos e esclarecemos burocratas. Dialogamos com engenheiros e arquitetos, que pretendiam instalar salas de aula no edifício da CAP. Fomos para as escolas, viajando no nosso carro. Despendemos centenas de horas num trabalho insano. Gastamos centenas de milhar de reais nesse projeto. Não recebemos um real sequer.
Entretanto, elaborarmos um projeto de adaptação de instalações de um centro de eventos e uma proposta de formação, para ajudar professores voluntários para o trabalho em comunidade. Até que…
Até que “alguém” – ainda hoje, não sabemos se seria homem, mulher, ou um grupo organizado – iniciou o seu trabalho sujo. Deixamos de ser informados da realização de reuniões de trabalho em que deveríamos participar. E o projeto foi adiado para as calendas.
Naquela altura, já se assassinava, dentro e fora das escolas. Dez anos mais tarde, uma violência incontida recrudesceu numa vaga de ataques a escolas. Mas a consternação, as lamentações e as “medidas de combate à violência” ofuscaram a visão dos governantes e dos educadores.
Mais uma vez, não se procurar identificar a origem da tragédia. Agiu-se sobre as consequências, sem se cuidar de eliminar as causas.
Mais uma vez, tivemos de chorar a morte violenta de crianças.
Mais uma vez…
Por: José Pacheco
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