Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MCCLXI)

Campo do Gerês, 10 de junho de 2043

No feriado do “Dia de Portugal” de há vinte anos, o vosso avô andava por terras lusas, num tempo em que o nervo ciático ainda permitia veleidades. Já levava mais de quarenta anos de andarilhagem, anos a fio a cuidar de outros, sem tempo para cuidar do próprio. 

É verdade, netos queridos. Quando me dava conta de que o corpo vacilava, quando precisava de me cuidar, deparava com uma lista de compromissos sem fim, para cumprir. Muitos educadores, muitas escolas despertavam de uma longa letargia. As famílias eram mais exigentes, rigorosas, na escolha de uma escola para os seus filhos. E havia comunidades atentas aos malefícios do sistema de ensino que ainda vigorava, nos idos de vinte.

Talvez simbolicamente, no “Dia de Portugal” de há vinte anos, o vosso avô foi ajudar a melhorar a educação que se fazia em Portugal. Bem acompanhado pela Maria, pelo Vasco e pelo Manel, num carro “amigo do ambiente”, fui do Porto a Campo do Gerês, ao “VI Encontro de Artes, Ecologia e Ruralidades”. 

Os amigos que me convidaram deram o seguinte título à minha “palestra”: “Educação Emancipadora em Territórios de Baixa Densidade”. E propuseram conteúdos: “podem-se abordar os contextos públicos, privados e auto-gestionados; pretende-se visibilizar que uma educação Emancipadora, Democrática e Empoderante pode e deve acontecer em diferentes realidades sociais, ao alcance de tod@s (sic). 

No final da “palestra”, seria apresentada a Comunidade de Aprendizagem “Germinar”. E se conversaria sobre Educação Livre na Natureza, “explicando o potencial educativo que o rural, o comunitário e a natureza têm para as crianças crescerem em Liberdade e plena Consciência.”

Poder-se-ia acreditar estarmos já num novo tempo educacional e que o velho sistema teria os dias contados. A Evelyne convidara professores e a diretora do Agrupamento Escolar de Terras de Bouro. Era elevada a minha expectativa. Eu fizera dezenas de viagens por Terras do Bouro, ajudando professores de escolas rurais a melhorar as suas práticas, e os seus projetos sempre haviam sido destruídos. Seria nesse dia que a administração educacional despertaria para a necessidade de levar a sério as coisas da educação?

Até então, sobravam os bons educadores e escasseavam as iniciativas de boa educação, sobretudo em terras do interior. Decorridos trinta e sete anos sobre a publicação da Lei de Bases do Sistema Educativo, seria oportuno fazer um “balanço” do cumprimento da lei, começando pelo artigo 48.º (45º no original), que rezava assim:

“O funcionamento dos estabelecimentos de educação e ensino, nos diferentes níveis, orienta-se por uma perspectiva de integração comunitária, sendo, nesse sentido, favorecida a fixação local dos respectivos docentes”.

Por onde andaria a “integração comunitária”, se os professores, sobretudo em início de carreira, eram “colocados” longe da sua… comunidade?

As condições impostas pelo sistema impedia que se estabelecesse um vínculo afetivo e efetivo com as comunidades de pertencimento. As escolas onde eram colocados não passavam de “apeadeiros”, lugares de passagem de professores, que ansiavam ficar “colocados” perto de casa.

Triste sorte a daqueles que passavam por mudanças de domicílio e de vida. Coloquei esse sentimento nas cartinhas, que te enviei, querida Alice, nos anos que se seguiram ao teu nascimento:

“Os teus pais não tinham poiso certo. Levavam a casa às costas para onde os atirava a incerteza da “colocação”, o final feliz de uma angustiada espera.”

Amanhã, vos falarei do que no encontro do Gerês aconteceu.

 

Por: José Pacheco

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