Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MCCLXII)

Vilarinho das Furnas, 11 de junho de 2043

No junho de há vinte anos, em mais um périplo de prospecção de “não-lugares” (de utopias realizáveis), achei lugares onde uma nova educação surgia. O torpor instrucionista não se apossara totalmente dos educadores, e o entusiasmo de diretores de agrupamento me surpreendeu. 

“Professor, lembra-se de mim?”

Não lembrava… 

“Fui seu aluno na ESE do Porto. 

Eram diretores de agrupamentos de escolas. Tinham disso meus alunos de formação inicial. Contavam cerca de cinquenta nãos de idade e, finalmente, poderiam concretizar a escola sonhada. Em muitos “não-lugares” a encontrei. No Gerês, a Evelyne e o Miguel cuidavam do futuro do Lobo, do Félix e dos filhos de jovens famílias, que repovoavam terras outrora desertificadas por efeito de migrações e pela nefasta iniciativa da criação de “centros educativos”. 

No interior de Portugal, havia aldeias sem crianças. Eram evidentes as obscenas assimetrias sociais de que padecia o interior do país. A habitante mais velha de uma aldeia recordava o tempo em que por ali havia “muita canalha”. A última das três antigas escolas primárias encerrara nos anos noventa do século passado. Há muito tempo não via uma criança. A última nascera há vinte anos:

“É triste ver estas aldeias a ficarem desertas. É quase tudo gente reformada. Emigrantes que voltaram e outros que estão na terra, mas também já se reformaram. A maioria tem mais de sessenta anos”.

Mas, no interior português despovoado, surgiam focos de inovação, “sangue novo”, que contrastava com pseudo-comunidades oferecidas por empresas e financiadas por ministérios. No Gerês, senti a presença do espírito comunitário de antanho, práticas “alternativas” ainda escassas, embrionárias, mas efetivas, que contrastavam com o cíclico regresso de práticas fósseis. 

Os jovens continuavam a perder tempo dentro de salas de aula, doze anos, quase dez mil horas dentro delas e quase nada aprendiam. Os “centros de explicações” se multiplicavam e prosperavam. Os ministros não sabiam que o tempo de aprender deveria ser o tempo de cada aprendente, articulado com o tempo do trabalho dos professores, das famílias e dos ciclos de vida das comunidades. 

Nesse tempo, urgia que o professor não desperdiçasse tempo “dando aula”, impondo um consumo acéfalo de currículo, que se desembaraçasse de um currículo pronto-a-vestir.

O sistema de ensinagem impunha um tempo único, igual para todos, ignorando que os alunos eram seres humanos únicos, irrepetíveis, dotados de um ritmo de aprendizagem específico. Os alunos ficavam tão absorvidos consigo mesmos e com uma competição desenfreada, para entrar na universidade, que não dispunham de tempo para a criação de vínculos.  

Naquele sábado de encontros e reencontros, perguntaram-me qual era o maior obstáculo à mudança. Respondi:

“O maior obstáculo sou eu, se não assumo a decisão ética de reelaborar a minha cultura pessoal e profissional. Quando decidi ser professor, eu só sabia dar aula, não sabia ser professor. Se tivesse continuado a dar aula, sabendo que uma parte significativa dos meus alunos não iria apreender, eu deveria seguir um de dois caminhos: ou aprendia a ensinar de modo que todos aprendessem, ou iria embora da profissão de professor. Se eu continuasse a dar aula, consciente de condenar jovens à ignorância, eu não seria professor, eu seria um crápula.” 

Em círculos de aprendizagem, a reelaboração da cultura profissional de muitos professores já acontecia, acompanhando a alteração de padrões atitudinais de gradual e complexa modificação da vida em comunidade.

 

Por: José Pacheco

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