Foros de Vale Figueira 20 de junho de 2043
Netos queridos,
Perdoai que vos fale de eventos tristes, lamentáveis, ocorridos há vinte anos. Faço-o, porque, ainda hoje, existe a tendência para matar memórias do tempo da proto-história da humanidade.
Remexi, mais uma vez, em velharias. E achei tristes notícias colhidas na Internet. No mês de junho de vinte e três, regressavam os ataques a escolas:
“Ataque em escola no Paraná: conheça a história de amor dos jovens que foram vítimas de atirador. Karoline e Luan eram namorados e frequentavam a igreja juntos. Em suas redes sociais, Luan se declarou à namorada:
“É impossível pensar na felicidade, sem lembrar do teu sorriso. É impossível pensar num paraíso, sem lembrar dos teus abraços. É impossível pensar no amor, sem lembrar de você.”
O atirador, ex-aluno dessa escola, fez 12 disparos, após pedir o histórico escolar. A jovem não resistiu aos ferimentos e morreu no local do crime.”
Nesse tempo, muitos brasileiros migraram para Portugal, em busca de segurança. Mas, não se pense que a outra margem do Atlântico estava imune à vaga de assassinatos.
“Apontado como o sexto país mais seguro do mundo, o país foi sacudido pelo assassinato de duas mães pelas próprias filhas.
No sábado, 9 de junho, depois de mais uma cobrança de Maria para que a filha entrasse nos eixos, Suzana partiu para cima da mãe e desferiu uma série de facadas na mulher que havia feito de tudo para lhe dar uma boa educação.
Depois de matá-la, saiu de casa como se nada estivesse acontecido.
A vida de Isaltina Gomes, 92 anos, também não estava fácil nos últimos tempos. Com a saúde debilitada, demandava cada vez mais atenção da filha, Luísa Madeira, 67 anos. De família de classe média alta de Coimbra, as duas sempre demonstraram manter uma boa relação.
No sábado, 17 de junho, Luísa atacou a mãe com uma pedrada na cabeça. Depois do crime, tirou a própria vida. Vizinhos se mostraram surpresos com o acontecido.”
Filha matando a mãe, mãe matando o filho, e Kiev atingida por forte ataque de drones russos.
Os projetos (os escritos!) das escolas estavam repletos de referências a “educação socioemocional, cidadania, educação para a paz…”, mas era a Ponte que acolhia aqueles que outras escolas rejeitavam. Chegavam “desmotivados”, “violentdos”… violentados.
Chegaram dois jovens, que as escolas da região diziam não saber como ensinar.
O mais velho agredia-se com auto-mutilação. O seu corpo era todo uma cicatriz.
Não demorou a procurar um objeto cortante. Dirigiu-se à cozinha, mas não conseguiu pegar a faca, que viu em cima da banca. A “comissão de ajuda” estava atenta.
Sempre que algum “aluno difícil” (como os designavam) aportava àquela espécie de hospital das almas, um grupo de alunos se voluntarizava para constitutir uma “comissão de ajuda”. Era o valor solidariedade posto em ação…
Irritdo, por não poder cortar-se, foi até ao banheiro e urinou no cesto do lixo.
No dia seguinte, havia reunião de assembleia. Lá estava o novo aluno, rodeado pelos colegas da “comissão”, olhando à sua volta, sem saber o que se passava. Era a primeira vez que participava da assembleia.
O Pedro foi o primeiro a pedir a palavra. E disse:
Amigos, nesta semana,um de nós urinou no cesto do lixo.
O novo aluno sobresssaltou-se. Iriam acusá-lo? Castigá-lo? Todo mundo sabia ter sido ele o autor da façanha. Olhou à sua volta. Ninguém olhou para ele. E o Pedro continuou:
Quem pode ajudar um de nós a não voltar a fazer isso?
Toda assembleia ergueu o braço. O novo aluno, também. Compreendeu que ninguém o iria acusar, ou punir. Estavam ali para o ajudar. Ele era “um de nós”.
Por: José Pacheco
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