Comunidade de Aprendizagem da Lagoa das Amendoeiras, 8 de julho de 2043
“Zé, tratam tão mal as crianças! É preciso pôr a boca no trombone.” – assim a Maria concluía a mensagem, que transcrevi na cartinha de ontem.
Como vos disse nessa cartinha irei contar-vos como entramos na “Idade da Educação”, começando por descrever a etapa final do modelo dito “tradicional”, que se reproduzia como uma praga.
Como se daria uma espécie de mutação genética do sistema educacional? Einstein e outros “maus alunos” eram um início de resposta. Se lêssemos as biografias de grandes vultos da humanidade, concluiríamos que quase todos contornaram a escola, que foram grandes… apesar da Escola. De uma Escola que atravessava uma crise de legitimidade. Já não era o único lugar de produção de conhecimento, mas, apesar da sua mesmice, libertava talentos que transformavam o mundo e alcançavam a dignidade de um Nobel.
A Escola dos idos de vinte era uma instituição caduca, formatada num modelo de sociedade caduco. Iríamos redescobrir o seu sentido e reconfigurá-la. Ensaiei um princípio de explicação da reformatação no “Pequeno Dicionário dos Absurdos em Educação”, que a Artmed publicou, em 2009.
Nesse livrinho, tentei entender por que razão a Escola Prussiana se mantinha viva e ativa e perspetivei modos de a redimir:
“Consciente de que “as oportunidades de sobrevivência digna estarão cada vez mais condicionadas pelas possibilidades de criação e multiplicação de redes de conhecimento”, Schwartz (em “As Profissões do Futuro”) resume em três palavras o que a Escola (enquanto construção social) deveria considerar como esteios de projeto: rede, conhecimento e cidadania.”
A prática da maior parte das escolas terá alguma coisa a ver com isso?
Agências internacionais investiam na inovação tecnológica, depreciando as capacidades da pesquisa educacional. Os financiamentos patrocinavam, prioritariamente, outras áreas de desenvolvimento humano, porque, apesar dos biliões gastos em estudos, os resultados são dececionantes e a pesquisa em Educação era como “saco sem fundo”.
Nas últimas décadas, tinham sido esbanjados recursos em “estudos” que nada acrescentaram à qualidade das práticas escolares. Dos estudos maiores aos menores, quase todos incidiam em escolas onde nada se criava e tudo se copiava, produzindo conclusões em circuito fechado.
Os pesquisadores adotavam um léxico velho de séculos, jogavam com conceitos obsoletos, reinventavam terminologias e nomenclaturas, reescreviam literatura próxima da de ficção científica. O fosso entre a teoria e a prática mantinha-se, aprofundava-se.
O saudoso João dos Santos, pedopsiquiatra, companheiro de estudos de Walon e Pieron, falava-nos da sua tristeza quando, ao voltar em crescido à escola para ver novamente as peças de teatro que um dia havia representado, constatou que tudo se mantinha inalterado e que os professores continuavam a falar em discursos vazios e como únicos donos do saber.
A Velha Escola agonizava. Mais “data show” menos pau de giz, em pleno século XXI, mantinha-se tributária de necessidades sociais do século XIX. Desperdiçávamos a competência de muitas gerações de professores, mas ainda seria possível suster a tendência para, ciclicamente, a Velha Escola se disfarçar de “inovadora”. Bastaria a amorosidade e a coragem política, uma efetiva autonomia das escolas, e tempo para avaliar práticas que rompessem com velhos vícios.
Foi isso mesmo o que aconteceu, entre meados de vinte e três e o final de vinte e quatro.
Netos queridos, ficai atentos às próximas cartinhas.
Por: José Pacheco