Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MCCCXXX)

Mendes, 18 de agosto de 2043

Fora em Mendes que a caminhada de Darcy recomeçara, nos idos de 1983. E, foi na Mendes de vinte e três que se celebrou a indignação de Darcy e se esboçou um projeto com a participação de centenas de educadores. Quarenta anos depois, no rescaldo do encontro de Mendes, vieram à memória palavras da minha amiga Tina:

“Mendes é uma referência em Educação Humanizada. Com apoio do prefeito Jorge, a dedicação da secretária Paula e o empenho do Observatório da Aprendizagem e de gestores das unidades escolares, já é possível ver a transformação de educadores e educandos.”

E as palavras da Valéria:

“Era uma vez, uma escola em Mendes que recebia crianças de muitos Mundos.

O amor, a sensibilidade e a escuta são temperos que moram nessa escola. Lá, as crianças cuidam e também são cuidadas entre si. O acolhimento, trazendo uns para os outros, a confiança e o aconchego moram nesse lugar. A empatia, a valorização de todos e a perceção de cada um são parte dos crachás que todos levam em seus corações.

Ali, as pessoas compartilham seus medos, em busca de apoio e segurança. Todas as conquistas são valorizadas, cada aluno é único e cada professor também. A humanização bateu na porta e do seu jeito já acontece nesse lugar.

João Gurito… escola de gente pra gente!”

Foi forte o impacto desses dias de são convívio e intenso trabalho. E muitos os testemunhos recolhidos, que provavam a vitalidade dos projetos das doze escolas de Mendes. 

Na “Hilda”, o Rayan sinaliza para a professora colegas que precisam de ajuda. E os leva para a “sala do contra turno”, onde se entreajudam. Na liberdade do fazer escolhas, trocam o “Posso Fazer” pelo “Já Fizemos”.

Na “Odete” e entre múltiplos prodígios, a Daniele psicóloga intensifica a criação de vínculos, enquanto a estagiária de psicologia confessa: “nada que nos ensinam na faculdade serve na prática”.

De escola em escola, colecionamos belas surpresas, fortes emoções. 

A Ludovina alfabetizadora se emociona, quando escuta a exclamação de uma criança: “Tia, estou lendo!”

A Priscila se emociona quando escuta um menino pedindo que ela fosse sua mãe e que o levasse para a sua casa, nesse fim de semana. Quando a Priscila lhe perguntou o que mais gostara, o menino respondeu: “Tomar banho de chuveiro”. Fora a primeira vez. Daí, a prece escutada pela Priscila: “Tia, eu quero morar na escola. Não quero ir embora!”

Na “Freitas”, a Kelly advogada dizendo que a sua vida passara da carência para a abundância, quando saiu do Rio para o Interior, numa imersão de autenticidade, confessando fragilidades (que eram de todos), dando largas à emoção. 

A sensibilidade da Valéria e do Mauro operava milagres, dava à luz “boniteza que a gente não enxerga” Aqui, acontecem coisas boas. Muitas vezes os alunos ensinam os professores. Eles dizem o que têm no coração” 

E a Maria Paula não conseguindo deter copiosas lágrimas. E eu as contendo. Enfim! Na “Semedo”, vozes caladas falavam. E voltávamos a evocar Darcy.

Atormentado pelo torpor das metástases, o Mestre ainda conseguiu traduzir “tudo o que o Brasil poderia ser e ainda não era”. A escrita de “O povo brasileiro” é reflexo do convívio com as comunidades do Xingu, uma mistura de experiências colhidas na espiritualidade africana, na sabedoria e tecnologias sociais de portugueses, italianos, alemães, japoneses, judeus, árabes e outros povos, um criativo caldo cultural, um enorme e sincrético potencial historicamente “entravado pela classe dominante medíocre que impede o desenvolvimento da civilização brasileira”.

Na Mendes de vinte e três, chegava o tempo de “desentravar”.

 

Por: José Pacheco

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